Ainda negligenciado no campo científico, o rio Araguaia dá sinais preocupantes de degradação. Pesquisadores saem em expedição para coleta de dados sobre a situação da maior planície de inundação do Centro-Oeste

 

 

Texto

e Fotos Serena Veloso

Ilustrações

Camila Gentil Diniz

 

Um homem alto, de cabelos curtos e óculos de grau, afofa os pés na areia e se senta em volta da fogueira. É noite de lua crescente. Ludgero Vieira vislumbra o belo cenário do rio Araguaia, no coração do Brasil. Apesar do céu estrelado, o calor prevalece e pede roupas leves: chinelos, camiseta e short. Bem diferente dos trajes apropriados para a saída a campo realizada na tarde de uma quarta-feira do mês de janeiro, quando explorou aquelas águas com o objetivo de coletar informações ambientais e materiais biológicos para pesquisa.

 

O líder da expedição convoca sua equipe para descansar. Embarcado há poucos dias em um barco- -hotel em direção à cidade de Aruanã (GO), o grupo de pesquisadores acabara de aportar em uma praia para jantar. O anfitrião diverte a turma com casos sobre seus encontros com o Araguaia e narra preciosas memórias de infância. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Faculdade de Planaltina (PPG-CA-FUP), Ludgero, que herdou o nome ítalo-alemão do avô, conhecido como Ludu, lembra que ele se sentava à beira do rio com seu pito de palha e um copo de cachaça. Era a praxe para iniciar a pescaria.

 

“Os goianos brincam que o Araguaia é a praia deles. Eles têm amor nato pelo rio”, afirma. Mesma paixão o impulsionou, quando era doutorando, a pesquisar o Araguaia, divisor natural entre os biomas Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica. Desde então, tem incentivado novas gerações de cientistas a desvendar os segredos desta biodiversidade muito particular. Das disciplinas práticas oferecidas na FUP, o professor idealizou projeto de maior alçada. A iniciativa culminou em expedição realizada entre 14 e 30 de janeiro de 2019.

 

Batizada de Biguá, em referência ao pássaro mergulhão típico do Araguaia, a excursão navegou, durante duas semanas, mais de 1.500 quilômetros para monitorar aspectos ecológicos e de conservação ambiental. Catorze pesquisadores percorreram o rio a bordo de um barco-hotel. Dez projetos e pesquisas associadas foram conduzidos no curso principal do Araguaia e em 50 lagos conectados ao rio e a cinco afluentes. O trecho abrange desde a cidade de Aruanã até a entrada para a Ilha do Bananal, na fronteira entre Mato Grosso e Tocantins.

 

A Universidade de Brasília (UnB) esteve representada por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Limnológicas (Nepal) da FUP e pela rede Aquariparia, vinculada ao Instituto de Ciências Biológicas (IB). Completaram a equipe especialistas das universidades Federal Fluminense (UFF) e Federal de Goiás (UFG).

 

Amostras e informações obtidas permitirão traçar um panorama sobre a atual situação da planície do médio Araguaia, dimensionar a variedade de espécies da fauna e flora, compreender a dinâmica de elementos químicos, como carbono e mercúrio, e presumir possíveis impactos ambientais sobre a bacia a partir de sua biodiversidade.

 

CONFORTO A BORDO

 

Ao chegar à Faculdade de Planaltina (FUP), na noite da segunda-feira,14/1, já se podia ter uma ideia da complexa logística exigida. Caixas e mais caixas com materiais de laboratório, recipientes de diferentes dimensões, litros de conservantes, canos de PVC, redes de pesca e equipamentos eletrônicos acumulavam- se no estacionamento do campus, todas com destino certo. Era tanta coisa que quase não bastava o espaço de uma kombi.

 

Cientistas monitoraram aspectos ecológicos na região do Araguaia

 

Foto Barco-hotel de quase 30 metros de altura abrigou membros da expedição Biguá durante duas semanas

 

Em outro veículo, itens congelados e suprimentos para alimentação lotavam o banco traseiro e o porta- malas. O total é de 16 pessoas, entre elas o coordenador da expedição, oito doutorandos, um mestrando, três graduandos, além de um cozinheiro e a repórter da Darcy. Após mais de 500 quilômetros, rodados em oito horas, chega-se ao distrito de Luiz Alves (GO), um dos pontos de acesso ao Araguaia.

 

Lá, o restante da equipe, com a professora da UFG Priscilla de Carvalho, dois barqueiros e o piloto principal da embarcação, se integra ao grupo. O sono perdido ao longo da viagem é recompensado pela vista da extensão de águas da planície. Reflexos do céu sobre a superfície fluvial embelezam ainda mais a paisagem, cercada pelo verde vívido das matas. Em Luiz Alves, o imenso barco- -hotel azul e branco, feito em ferro e divisórias plásticas, está à espera.

 

Com três andares, cinco dormitórios com banheiros, sala de estar com televisão e área de lazer no último piso, os ambientes da embarcação garantem certa comodidade, condições bem diferentes das encontradas por pesquisadores em outras saídas a campo. Uma cozinha equipada permite o preparo das refeições diárias. Stanislau Brandão, cozinheiro de mão cheia da FUP, foi convidado para cuidar especialmente da dieta da tripulação.

 

Quase todos os recintos do barco contam com ar-condicionado, o que alivia as altas temperaturas e a sensação incômoda provocada pela umidade, sobretudo no período da tarde. A estrutura foi providenciada graças ao financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), além de um aporte extra de recursos vindos do PPG-CA. “Com isso, ampliamos em 500% o número de projetos envolvidos. Realizamos as pesquisas em colaboração e com maior eficiência”, frisa Ludgero Vieira.

 

Se, por um lado, certo conforto é dado aos pesquisadores, por outro, algumas limitações se aplicam aos afazeres diários. Fornecida por gerador, a energia elétrica tem consumo restrito a determinados horários, para a redução de gastos com combustível. Sinal de celular é raro, à medida que se distancia das cidades ribeirinhas. Sol intenso, chuvas esporádicas, ataque constante de mosquitos, horas exaustivas de trabalho, além da conciliação das demandas de diferentes pesquisas integram a lista de desafios rotineiros. Sem contar a frequente reorganização da logística, que engloba desde o gerenciamento da verba disponível ao abastecimento do barco e manutenção dos suprimentos.

 

Foto A cada dia, de quatro a cinco pontos do Araguaia foram visitados para coleta de material biológico

 

CIÊNCIA À MERCÊ DO AMBIENTE

 

O despertador toca às seis da manhã. O sol ainda se esconde no horizonte. A rotina em campo começa cedo e termina somente ao final da tarde. Atendendo às recomendações, todos usam o traje adequado a uma longa exposição ao sol: blusa de manga longa, calça comprida e boné, além de bastante protetor solar. Para espantar os mosquitos, o uso de repelente é fundamental.

 

Durante o café da manhã, alguns reúnem os equipamentos necessários e organizam os lanches a ser levados, para acelerar a partida. Frascos de plástico de tamanhos diversos, redes de filtragem e baldes amontoam-se em um canto. Pouco a pouco, o céu toma uma coloração alaranjada hipnotizante. Já são sete e meia da manhã. A equipe está a postos nas voadeiras — pequenos barcos de rápida locomoção —, para percorrer naquele dia cinco lagos, formados a partir do Araguaia e um de seus afluentes, o rio dos Peixes. Na embarcação metálica, o espaço ocupado por cada um é pensado de acordo com o peso, para contrabalançar a navegação.

 

Cinco pesquisadores se dirigem à extração de amostras de macrófitas, plantas aquáticas que abrigam nas raízes organismos como insetos, larvas e pequenos crustáceos. São macroinvertebrados, importantes componentes na dinâmica dos ecossistemas. Sensíveis aos impactos ambientais, os organismos ajudam a avaliar a qualidade das águas. “Alguns tipos de macroinvertebrados ocorrem com maior densidade em ambientes bem preservados; outros, em ambientes mais degradados. Estudar esses indicadores de qualidade biológica possibilita não só ter uma fotografia, mas um filme do lago, para entender o que aconteceu com ele num passado recente”, explica Ludgero.

 

Outros bichos flutuantes despertam interesse. É o caso dos zooplânctons — formados por protozoários, crustáceos e vermes — e dos fitoplânctons — algas microscópicas. Base da alimentação de peixes, esses seres invisíveis também são empregados como parâmetros para o monitoramento da situação dos rios. “Uma das principais hipóteses que queremos avaliar é se, por exemplo, os fitoplânctons e zooplânctons respondem a variação de temperatura, PH e condutividade. Isso ajuda a entender se há desequilíbrio no ecossistema”, explica o doutorando em Ciências Ambientais Leonardo Gomes, que também participa da expedição Biguá.

 

Em um segundo barco, outra equipe, conduzida pelo doutorando Cléber Nunes, se programa para sair, minutos depois, para os mesmos pontos de coleta, em outra missão: apanhar peixes e sedimentos do fundo do rio. Os materiais servirão para análises da interação de alguns compostos, como carbono e mercúrio, no ecossistema local. Estudar possíveis alterações nos níveis de mercúrio, metal que se torna tóxico quando liberado em grandes concentrações, é uma das preocupações da pesquisadora Lilian Moraes.

 

Apesar de disponível naturalmente no meio ambiente, alguns fatores potencializam a emissão do elemento. “Atividades como mineração artesanal, queima de combustíveis das indústrias e automóveis, queimadas e uso de fertilizantes com mercúrio em sua fórmula aumentam a disponibilidade na natureza”, ressalta Lilian Moraes, à frente de tese inédita sobre a presença da substância no Araguaia. Os riscos de exposição ao metal se estendem à população, com o consumo de água e alimentos oriundos de locais contaminados.

 

BICHOS INVISÍVEIS

 

Logo que se transpõe as fluidas fronteiras entre o Araguaia e o rio dos Peixes, observa-se a diferença na tonalidade da água, aos poucos menos turva. Para chegar ao primeiro lago, de nome desconhecido, só com o auxílio do GPS. Contratempos surgem: não há passagem para o lago. O rádio comunicador, utilizado no contato com a outra equipe, está falhando. Nessas horas, mudar a estratégia é a alternativa. “Vamos para o próximo lago e aguardamos o pessoal lá”, sugere um dos integrantes.

 

Ao olhar atentamente as margens do rio dos Peixes, além de árvores de troncos finos, uma pluralidade de espécies vegetais se evidencia, entre elas as cobiçadas macrófitas. Entretanto, a ausência de qualquer vestígio das plantas aquáticas no lago explorado desvia a atenção dos pesquisadores para os organismos planctônicos. Habituada à tarefa de capturá-los, a doutoranda em Ciências Ambientais Ana Caroline Alcântara aguarda a parada da embarcação para lançar ao fundo do lago uma mangueira ligada a uma motobomba.

 

No Araguaia, a jovem pesquisadora dedica-se à obtenção de material para analisar os padrões de distribuição de espécies de zooplânctons e a influência das variáveis ambientais e espaciais nesse quesito. A expectativa é também encontrar sinais da ação humana sobre o rio. “A partir dessa abordagem de bioindicadores, podemos mostrar se esse ambiente precisa de interferência maior do estado em relação às políticas públicas”, prevê.

 

Com sorriso discreto, quase coberto por seu longo chapéu, a moça calcula, no cronômetro, o tempo gasto para bombear 500 litros de água até uma grande rede de filtragem, utilizada para coletar os seres milimétricos. O período de espera para conclusão da etapa parece infindável. Especialmente quando se lida com percalços frequentes, como a obstrução do instrumento, o que obriga a pausa do processo até que o fluxo seja normalizado. Abatidos pelo cansaço já acumulado de outros dias, todos se calam. O barulho ensurdecedor da motobomba impossibilita qualquer descanso. Depois de quase dez minutos inquietantes submetidos ao zunido, finalmente os pesquisadores se dão por satisfeitos.

 

Foto Doutorandos Ana Caroline Alcântara e Leonardo Gomes preparam equipamentos para capturar organismos planctônicos

 

DA SUPERFÍCIE ÀS PROFUNDEZAS

 

O Araguaia e seus afluentes oferecem um universo impressionante para pesquisas. Há ciência em cada detalhe, desde seres microscópicos até resíduos depositados na camada superficial do solo. Descubra os principais elementos estudados na expedição Biguá:

 

Infográfico

 

MACROINVERTEBRADOS

 

Encontrados em raízes de plantas aquáticas, os macroinvertebrados aquáticos, como a barata d’água, são fontes de pesquisa sobre a variedade e distribuição das espécies ao longo da planície. Estes organismos são utilizados como bioindicadores da qualidade da água, permitindo fazer avaliação do impacto ambiental na região e identificar áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade e recuperação das áreas degradadas. PEIXES A captura de peixes serve para medir a concentração de mercúrio dos rios e lagos. Em altos níveis, o metal causa contaminação em todo o ecossistema aquático.

 

MACRÓFITAS

 

Pesquisas mapeiam a diversidade dessas plantas aquáticas na planície de inundação do Araguaia. Aguapé e paspalo estão entre as variedades identificadas pelos pesquisadores.

 

SEDIMENTOS

 

Com uso de diferentes técnicas, resíduos depositados na camada superficial do solo são retirados para estudos sobre a acumulação de mercúrio, os fluxos do carbono nos rios e um de seus produtos, o CO 2 , gás responsável pelo aquecimento global. Sedimentos são também utilizados na prospecção de novas espécies de bactérias magnetotáticas, seres que respondem ao campo magnético da terra. Esses organismos são capazes de sintetizar nanopartículas magnéticas, com aplicação médica, farmacêutica e industrial.

 

FITOPLÂNCTONS

 

Mapear a diversidade e entender a distribuição de algas microscópicas, mais conhecidas como fitoplânctons, é foco de um dos projetos. Responsáveis pela oxigenação nos ambientes submersos, esses organismos são importantes indicadores da qualidade das águas. A poluição em rios e lagos favorece a proliferação de determinadas espécies, como as pertencentes ao grupo das cianofíceas, que, em grande concentração, produzem toxinas capazes de contaminar os mananciais, com riscos à saúde pública.

 

ZOOPLÂNCTONS

 

Coletadas com redes de filtragem, comunidades de zooplâctons — organismos aquáticos milimétricos, como protozoários, crustáceos e vermes — são estudadas para averiguação da dinâmica no ambiente aquático. Presença desses seres também está associada ao equilíbrio no ecossistema local.

 

ÁGUA

 

Amostras das águas dos rios e lagos permitem investigar a dinâmica de circulação do carbono e a emissão de mercúrio. Os ecossistemas aquáticos são fontes naturais de emissão de mercúrio, além de metano e dióxido de carbono – os dois últimos, compostos que contribuem no ciclo do carbono. Interferências humanas nesses ambientes, como queimadas e emissão de combustíveis fósseis, podem gerar perturbação nos processos relacionados a tais substâncias e acarretar na degradação ambiental. A compreensão das dinâmicas relacionadas aos compostos pode contribuir para mitigar esses impactos.

 

UM RIO SINGULAR

 

O rio Araguaia é um dos maiores rios do Cerrado: são mais de 2 mil quilômetros de extensão, uma média de 1.600 metros de largura e descarga de mais de 6 mil metros cúbicos por segundo — fluxo três vezes superior ao do rio Nilo e 34 vezes inferior ao do Amazonas. Além das proporções e da força, o Araguaia abriga abundância de espécies animais e vegetais e florestas circundantes. De variedades de peixes até animais silvestres, aquáticos ou não, como jacarés, capivaras, lobos, botos, tartarugas e onças, a diversidade biológica é um dos fatores que tornam este rio tão singular.

 

Não à toa o nome de batismo reverencia um pouco dessa riqueza. De origem tupi, a palavra Araguaia significa rio das araras vermelhas, ave certamente encontrada em sobrevoo pela bacia. Soma-se, ao rol de predicados, as fascinantes piscinas e praias naturais, que atraem turistas de todas as partes na época da seca. Os encantos se estendem aos quatro estados banhados por essas águas: Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará.

 

Apesar de parte significativa das belezas e da biodiversidade se manterem preservadas, comparadas a outras planícies de inundação — áreas ribeirinhas sujeitas à invasão das águas em períodos de cheia —, não há muito o que se comemorar. Nos últimos anos, dilemas têm colocado em xeque o equilíbrio ecológico do rio, como detalha o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Faculdade de Planaltina (FUP), Ludgero Vieira: “O Araguaia sofre impactos com o assoreamento [acúmulo de terra e detritos, causado pelo uso incorreto do solo] e o domínio do agronegócio na região”.

 

Estudos recentes apontam o desmatamento da vegetação nativa para criação bovina e o assoreamento como alguns dos principais vilões à preservação do Araguaia. As estimativas mostram que o avanço da fronteira agrícola pode resultar na seca total do rio em até 40 anos.

 

A pesca predatória também é motivo de preocupação. pesar de ser um dos cursos de água com maior concentração de peixes no Brasil, nos últimos anos, a redução significativa desse quantitativo alerta quanto às consequências da prática. Embora a lei Cota Zero tenha proibido o transporte de pescados dentro das fronteiras de Goiás — exceto para fins científicos — a fim de preservar a biodiversidade e reduzir a pesca excedente ao volume para consumo local, a proibição tem a efetividade questionada.

 

Outros processos podem acelerar a deterioração ambiental na região, como a implantação de usinas hidrelétricas. O Araguaia é uma das poucas planícies de inundação ainda poupada desse tipo de interferência. Projetos para construção desses empreendimentos já foram estudados na região, mas nunca saíram do papel. Ludgero salienta que a construção de barragens traz riscos à dinâmica de cheia e seca das águas, fenômeno conhecido como pulso de inundação.

 

A situação já é observada nas bacias hidrográficas do Paraná e do Amazonas. Os impactos se estendem à manutenção da biodiversidade aquática. “Quando chove, a água sai do canal, invade toda a zona terrestre e leva sedimentos e nutrientes para os lagos. Na época de seca, o processo é o oposto: a água sai dos lagos e volta para os rios. Esse pulso de inundação é responsável pela biodiversidade local. Por conta disso, há espécies que aumentam no período de chuvas e outras, durante a seca”, argumenta.

 

Diante das projeções, restam dúvidas quanto a soluções efetivas para a proteção do Araguaia. Um dos caminhos defendidos por Ludgero é a pesquisa. Apesar da importância econômica, turística e ambiental do Araguaia e de seu entorno, o pesquisador alerta para a escassez de estudos ecológicos relacionados à bacia.

 

Para o especialista, o fortalecimento da presença científica na região pode contribuir para a conscientização sobre a relevância do manancial: “Para preservar, no mínimo, temos que conhecer e divulgar. Se conhecemos um ambiente e sabemos da relevância dele, nós preservamos”.

 

FIM DE EXPEDIENTE

 

Mesmo diante dos imprevistos e da fadiga, o bom humor reina entre os navegantes. A cada parada, o ofício da pesquisa em campo é amenizado por momentos de descontração. “O Ludgero quer que a gente conte uma piada”, diz um dos participantes, ao ouvir o professor pelo rádio. Ao longo do caminho de volta, a vista do cenário natural torna a rotina mais agradável: o verde das matas, o azul do céu e os tons pastéis das areias formando praias oferecem uma paleta exuberante.

 

Ainda restam dois pontos a ser visitados e a pressa é grande para alcançar, antes do fim da tarde, Cocalinho, cidade ribeirinha de Mato Grosso, a 162 quilômetros e três dias de viagem de Luiz Alves, por via fluvial. A presença de plantas aquáticas na área indica jornada árdua pela frente. A graduanda em Gestão Ambiental Thallia Santana não esconde no rosto o misto de alegria e desânimo com o achado. Ela sabe que é hora de atuar. Identificar as plantas à margem dos lagos, determinar a área de retirada, cortá-las e lavá-las, reservar a água da lavagem com os organismos ali presentes, filtrar os resíduos e armazenar em frascos para análise: o passo a passo minucioso é reproduzido a cada coleta.

 

Abrigada em blusa de manga comprida e chapéu de pescador, Thallia apanha um instrumento quadrado, feito em PVC, e atira-o sobre as plantas, com metade do corpo para fora do barco. “Está bom neste quadrante?”, pergunta à professora Priscilla de Carvalho, do Departamento de Ecologia da UFG, sobre o local ideal para extração. “Mais para lá está melhor”, orienta a docente.

 

Priscilla de Carvalho é colaboradora na expedição Biguá e se concentra em pesquisas sobre a diversidade das plantas aquáticas no rio Araguaia e os fatores que explicam sua variação espacial. Um dos potenciais vislumbrados está na capacidade dessas plantas de ampliar a diversidade biológica das lagoas. “Elas acabam deixando o ambiente mais heterogêneo em termos de habitat. Essa diversidade proporciona maior riqueza de invertebrados, peixes e anfíbios, porque é fonte de alimentação, ambiente de fuga dos predadores, além de local de desova dos peixes”, explica Priscilla.

 

Folhas compridas e finas, semelhantes às do capim, hastes longas e raízes amarronzadas que lembram tufos de cabelo, o paspalo é bem comum em lagoas e locais de água parada. “É uma planta fixa, enraizada no solo”, detalha a pesquisadora. Com tato e visão atentos aos indícios de pequenos insetos, Thallia enxágua pedaço por pedaço extraído. Ao deslizar os dedos sobre as raízes, torce para que só apareçam bichos inofensivos. “Ontem tomei uma picada de barata d’água. Dói muito!”, recordou.

 

A tarde de coletas é concluída no lago Rico, bastante procurado por pescadores entre março e novembro, fora da piracema, o período de reprodução dos peixes. Um boto, habitante costumeiro da bacia do Araguaia, se exibe para a equipe, porém, mal é reparado. Concentrados no fim do expediente, com rostos suados e corpos exauridos, os pesquisadores apenas esperam a hora do descanso. No retorno ao barco-hotel, já em Cocalinho, são agraciados com banho frio e almoço tardio, temperado pelas mãos do cozinheiro Brandão.

 

Até a chegada ao destino final da expedição, em São Félix do Araguaia — porta de entrada para a Ilha do Bananal —, além de quilômetros de águas a ser navegadas, dezenas de lagos ainda não explorados esperam os cientistas. Ansiosos por novas aventuras, eles experimentam os prazeres e desafios de se fazer ciência em cenários inexplorados.

 

Foto pesquisador

 

EU FAÇO CIÊNCIA

 

Quem é o pesquisador:

 

Ludgero Cardoso Galli Vieira graduou-se em Ciência com Habilitação em Biologia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Concluiu a formação docente na Universidade Federal de Goiás (UFG), com mestrado em Biologia, doutorado em Ciências Ambientais e pós-doutorado em Ecologia. Atualmente, é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Limnológicas (Nepal).