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A reitora Márcia Abrahão reflete sobre educação e redução de desigualdades.

 

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Ilustração: Marcelo Jatobá/Secom UnB

 

Texto:  Márcia Abrahão, reitora da Universidade de Brasília.

 

As universidades públicas foram criadas para promover o pensamento crítico, o desenvolvimento humano e as mudanças sociais. A Universidade de Brasília (UnB) leva essa missão muito a sério. Nosso estatuto diz que a finalidade essencial da instituição é formar "cidadãos qualificados para o exercício profissional e empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas nacionais". Ao oferecer ensino, pesquisa e extensão de qualidade, a UnB planta a semente de uma transformação que deseja aplainar desigualdades. Não é tarefa simples no nono país mais desigual do mundo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Com a pandemia, o abismo fez-se mais visível. O Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu em 2020. A taxa de desemprego bateu recorde histórico. Entre 189 países, o Brasil passou a ocupar a posição 84 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia saúde, educação e renda. Os indicadores socioeconômicos caem na mesma proporção do aumento das diferenças sociais. E o papel estratégico das universidades públicas brasileiras vem à tona. As instituições de educação superior são centros de formação e impulsionam a inovação, a geração de conhecimento e a inclusão social.

 

As universidades funcionam assim, como esfera privilegiada do debate público, para a busca de soluções aos desafios da nação. No ano em que todos foram levados ao distanciamento social e ao ensino em modo remoto, as universidades mostraram capacidade de adaptação. Demonstraram que é preciso atuar de modo programático e pragmático contra o avanço social das fake news. O fato e a verdade científica devem prevalecer contra o negacionismo.

 

As universidades também participaram ativamente da solução dos problemas enfrentados pela crise emergencial de saúde pública. Criação de testes para detecção do vírus, sequenciamento do genoma do coronavírus, manufatura de álcool em gel e máscaras especiais, participação no desenvolvimento e teste de vacinas, atuação na linha de frente nos hospitais universitários. Em 2020, esses foram os exemplos mais evidentes da produção científica nas universidades públicas federais.

 

Pesquisadores – epidemiologistas, em particular – contribuíram para explicar a pandemia, alertar a população com informações corretas e auxiliar governantes na montagem de estratégias de atuação. A verdade da ciência mostrou sua face pública. E ficou clara a necessidade de valorizar e investir em pesquisa para o desenvolvimento que gera mais igualdade.

 

O papel das instituições transcende a formação de novos cientistas e de profissionais para o mercado de trabalho. A universidade, em sua "autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial", como reza a Constituição Federal, faz pesquisa de alta qualidade para servir à sociedade.

 

A pandemia evidenciou diferenças internas de mobilidade e acessibilidade. Nesse cenário inusitado e desafiador, a universidade avaliou a sua importância em relação ao acesso democrático ao ensino superior, especialmente das camadas menos privilegiadas da população. Na UnB, pioneira na política de cotas e sempre atenta a políticas inclusivas, uma preocupação central foi apoiar estudantes mais vulneráveis. Editais de auxílio para aquisição de equipamentos de informática e de pacotes de internet, por exemplo, foram lançados. A UnB buscou o compromisso regimental de dar aos jovens brasileiros oportunidade real de acesso ao conhecimento, da posse meritória de um diploma e da inserção qualificada no mercado de trabalho. O cuidado com a saúde mental da comunidade teve especial atenção da Universidade.

 

Na realidade brasileira, sabemos que a concentração de renda afeta diretamente a formação educacional em toda a sua cadeia. Portanto, a redução da desigualdade tem de começar cedo, no princípio de tudo. De nada adianta termos uma universidade excelente, se os estudantes não tiverem uma educação básica também excelente. O "antes tarde do que nunca" pode não dar conta de solucionar nosso imenso problema. No pós-pandemia, com um cenário ainda mais complexo, melhor seria apostar na seguinte fórmula: melhor cedo, para que não seja tarde demais.