ARQUEOLOGIA DE UMA IDEIA

 

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Leito de unidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Foto: Heudes Regis/SEI

 

Texto: Maria Eduarda Angeli

 O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que dispõe de um sistema único, público e gratuito de saúde. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 71,5% da população brasileira depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Da assistência básica aos tratamentos de alta complexidade, todos os brasileiros têm direito ao acesso igualitário a serviços de saúde por meio do SUS. Mas nem sempre foi assim. Conheça o processo histórico que levou à sua criação.

 

Túnel do tempo

Antes da colonização portuguesa, a população era assistida por pajés e curandeiros, que usavam métodos naturais para profilaxia e tratamento de doenças. Com a chegada dos europeus, em 1500, vieram cirurgiões-mor responsáveis por prestar cuidados a autoridades e militares da metrópole. Os delegados das capitanias respondiam por saneamento e profilaxia de doenças epidêmicas.

 

No período colonial, a elite solicitava a presença de médicos mediante cartas ao rei. Os que não tinham recursos eram atendidos pelas Santas Casas, fundadas pela igreja Católica. A primeira Santa Casa data de 1543, construída em Santos, São Paulo.

 

A medicina mais próxima do que conhecemos veio com a família real, em 1808. O problema é que com ela também vieram doenças pestilentas que, pela falta de saneamento básico, eram facilmente propagadas e mudaram completamente o perfil epidemiológico do Brasil.

 

O desordenado crescimento urbano no início do século XX repercutiu em epidemias, como a de febre amarela e a de varíola, comprometendo a economia agroexportadora. Uma série de medidas radicais para "higienizar" o Rio de Janeiro, então capital federal, foi comandada pelo sanitarista Oswaldo Cruz: demolição de locais considerados insalubres, notificação permanente de epidemias e vacinação obrigatória – ação que causou a Revolta da Vacina, em 1904.

 

Entre 1920 e 1987, o acesso a serviços de saúde esteve atrelado a políticas da previdência e de assistência social, sendo destinado a trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes. A lei Eloy Chaves, de 1923, foi precursora destas políticas.

 

Em 1953, por meio da lei nº 1920, foi criado o Ministério da Saúde. Quatro anos mais tarde, foi instituído o Código Nacional de Saúde. A partir das décadas de 1970 e 1980, movimentos sociais reivindicaram o direito à saúde, propondo a criação de um sistema público universal.

 

Finalmente, o SUS

Em 1986, aconteceu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, um dos eventos mais relevantes para a criação do SUS e o primeiro a dar voz aos usuários. As propostas da conferência contribuíram para a formulação de um sistema único de saúde separado da previdência, que hoje é administrado de maneira descentralizada pelos governos federal, estadual e municipal.

 

Surgiu assim, em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS). A saúde passa a ser direito de todos e dever do Estado.

 

Sua regulamentação é implantada com as Leis Orgânicas da Saúde (leis 8.080/90 e 8.142/90), que abordam a participação popular no sistema e o repasse de recursos financeiros. Ao SUS, foi imposta responsabilidade sobre a saúde do cidadão, vigilância sanitária, vacinação e fiscalização de alimentos, entre muitas outras.

 

O maior do mundo

O SUS tem apenas 32 anos e possui falhas. Desde sua implementação, permanece o desafio de garantir a todos o acesso gratuito à saúde. A demanda pelo serviço frequentemente é maior que sua capacidade de atendimento a curto prazo – a exemplo das filas de espera por cirurgias eletivas e consultas.

 

A despeito disso, o sistema de saúde pública brasileiro consolida-se como o maior do mundo. Ele oferece desde assistência básica até tratamentos de alta complexidade, como nos casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) e de câncer. Em 2019, mais de 95% dos transplantes de órgãos no país foram realizados pelo SUS – taxa equivalente a cerca de 81,4 mil procedimentos, atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil também é exemplo internacional em cobertura vacinal da população, com 100% desse mercado movimentado pelo Programa Nacional de Imunização (PNI).

 

Para quem nasceu ou cresceu com o SUS já implementado, chega a ser difícil imaginar que princípios de universalidade e equidade no atendimento à saúde sejam conquistas tão recentes.