DIÁLOGOS

Decana de Extensão, Olgamir Amancia, e professora da Faculdade UnB Planaltina Rosylane Vasconcelos refletem sobre relevância das práticas acadêmicas dialógicas com a comunidade

 

Ilustração: Marcelo Jatobá/Secom UnB

 

Texto: Olgamir Amancia Ferreira* e Rosylane Doris de Vasconcelos**

 

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"O diálogo e a problematização não adormecem a ninguém. Conscientizam. Na dialogicidade, na problematização, educador-educando e educando-educador vão ambos desenvolvendo uma postura crítica da qual resulta a percepção de que este conjunto de saber se encontra em interação."

 

Em setembro de 2021, o mundo comemora o centenário de nascimento do patrono da educação brasileira, Paulo Freire. A atualidade de seu pensamento está colocada em meio a um contexto educacional que, repleto de contradições, evoca a urgência de uma prática educativa fundamentada no diálogo e no entendimento de que mulheres e homens são sujeitos de sua própria história, cotidianamente.

 

Tal prática pode ser referenciada no conjunto de sua obra, com um pressuposto básico: o de que o conhecimento não se transmite, mas se constrói, em processo integrador entre saberes. O livro Extensão ou comunicação? problematiza qual a dimensão do diálogo que universidade e comunidade podem estabelecer na prática acadêmica refletida.

 

Publicada em 1969, em Santiago, quando Freire estava em exílio no Chile, a obra discute a ideia de extensão e sua contradição com o exercício da comunicação entre o que ele criticamente chama de sujeitos receptor e intermediário, tendo a ciência como fonte de saber. A reflexão parte da realidade vivida e observada junto aos camponeses chilenos, em algumas comunidades cujos saberes e crenças nem sempre foram reconhecidos e dialogados pela maioria dos técnicos e das técnicas extensionistas.

 

Freire defende que não deveria existir obstáculo entre conhecimento científico e popular e discute semanticamente a extensão aproximada à prática, numa relação dialética com a cultura. Historicamente, tal barreira é provocada por uma concepção de extensão que desconsidera incorporar o acesso da comunidade ao saber dito científico, para que, em diálogo com os saberes populares, ambos produzam um movimento dialético de problematização do mundo.

 

Para o educador, o mero estender conhecimento a alguém, de forma unilateral, seria pressupor a inexistência de sujeitos históricos, desvalorizar a cultura local, substituir um conhecimento por outro, enfim, impor uma educação que os aliene da capacidade reflexiva, de forma autoritária, negando sua humanidade.

 

De outro ponto, ele acredita que a prática da comunicação teria um sentido mais próximo à pedagogia emancipatória do que a prática extensionista quando compreendida como alienante e unilateral. A comunicação pode vir a ser a compreensão do espaço histórico e cultural de cada comunidade, estabelecendo diálogos pedagógicos.

 

Freire compreende que o diálogo problematizador por uma perspectiva de comunicação forma sujeitos críticos. É preciso atentar para uma prática extensionista cujo pressuposto de interação entre diferentes saberes gere um conhecimento dialógico, democrático, comunicativo, transformador.

 

A Universidade de Brasília completará, em 2022, seis décadas de relação com as sociedades local, nacional e mundial. Nesse caminhar, está aprendendo uma prática refletida, buscando superar dicotomias nos processos de comunicação, no sentido da indissociabilidade entre extensão, ensino e pesquisa.

 

Mesmo em situações adversas, como as provocadas pela pandemia de covid-19, buscou-se assegurar a interação para que a extensão não se restringisse à mera atividade prática. Neste período, o uso de tecnologias remotas foi a estratégia possível para a concretização do diálogo com as comunidades interna e externa, o que amplificou o público participante.

 

Entretanto, não de forma equânime, pois setores sociais mais fragilizados economicamente foram alijados do acesso a essas agendas, por não disporem de conectividade. Ainda assim, as dificuldades deste contexto foram acolhidas pelos extensionistas com a capacidade criativa e a ousadia que lhes são próprias.

 

Entre 2020 e 2021, a UnB ampliou em 18,8% o número de projetos e programas. Apenas nesta primeira metade do ano, foram institucionalizados 492 no sistema de gestão da extensão. Nessa esteira, inserem-se programas estratégicos como UnB perto de Você, Agenda UnB 2030, Comunicação em Rede e Semana Universitária, que em 2021, em comemoração ao centenário de Freire, reuniu 820 atividades, entre gravadas e ao vivo.

 

Problematizar a realidade, explicitar contradições é parte da estratégia de comunicação esposada por Freire, para orientar as práticas extensionistas como qualificadoras das dimensões técnica, ética e estética da formação universitária, de forma integrada a esta. Assim, pauta-se a extensão na interdisciplinaridade, na interprofissionalidade, no protagonismo dos sujeitos, sem assimetrias entre os diferentes saberes mobilizados e comprometida com o impacto e a transformação social, bem como com a superação dos muros que um dia separaram universidade e sociedade.

 

* Decana de Extensão da Universidade de Brasília, professora da Faculdade UnB Planaltina (FUP), presidenta do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Ensino Superior (Forproex) e coordenadora do Colégio de Pró-Reitores de Extensão da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Coex/Andifes).

 

**Professora da Faculdade UnB Planaltina (FUP).