DIÁLOGOS

Docente da aposentada da Faculdade de Educação (FE/UnB) Carmenísia Jacobina relembra homenagem da Universidade de Brasília a Paulo Freire com título póstumo

 

Ilustração: Luísa Reis / Secom UnB

 

Texto: Carmenísia Jacobina*

 

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"Essa recifencidade de Paulo não nasceu por força do exílio. Quando da inauguração da nova capital federal, em 1960, Darcy Ribeiro, projetando a Universidade de Brasília, chamou Paulo para ir ver in loco e discutir com ele a sistematização e organização dessa instituição de ensino superior tão inovadora e ousada quanto a cidade mesma projetada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

 

Já em Brasília, Darcy convidou-o então, insistentemente, para que Paulo fizesse com ele e outros/as intelectuais progressistas essa Universidade-modelo, participando de sua direção. Convidou-o também para ser seu professor, ensinando que matéria que ele se sentisse mais capacitado a ensinar, ao que Paulo respondeu: "Darcy, parabéns e sucesso! Essa coisa é uma maravilha! Participo no que puder ajudá-lo, participarei com você nesse troço formidável, mas a distância. Vir morar aqui?!... Ser professor dela?!... Não posso!" Por quê? Porque não posso viver fora do Recife. Sem a minha cidade... eu nem sei se sei pensar!"

 

Fonte: Trecho do discurso de Ana Maria de Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, na solenidade da outorga do título de Doutor Honoris Causa ao educador, conferido pela Universidade de Brasília em 2011, e registrado no artigo Paulo Freire: uma história de vida.

 

A distinta trajetória do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, ganhou na Universidade de Brasília um reconhecimento especial: o pensador é nosso Doutor Honoris Causa. O título foi outorgado em 6 de outubro de 2011, 14 anos após seu falecimento.

 

A honraria foi proposta pelo Centro de Memória Viva – Documentação e Referência em Educação Popular, Educação de Jovens e Adultos e Movimentos Sociais do Distrito Federal, projeto de pesquisa desenvolvido na Faculdade de Educação (FE). Viúva de Paulo Freire e sucessora de seu legado, Ana Maria de Araújo Freire, ou Nita, como é conhecida, recebeu o título póstumo e, emocionada, fez discurso cujo trecho é resgatado acima. Em suas palavras, atestou os laços do educador e pensador recifense com a instituição e a capital federal.

 

Paulo Freire nos supre com um legado histórico, social, cultural, político e acadêmico de inestimável valor. Em suas andanças pelo Brasil e por diversos países, inaugurou uma proposta educacional autêntica e revolucionária, pautada na conscientização política e na reflexão crítico-emancipadora.

 

Teve relevada atuação desde os primórdios da história do Distrito Federal: foi coordenador do Plano Nacional de Alfabetização do governo João Goulart (1963) e esteve presente em círculo de cultura no Gama (1963). Em 1996, na sua última estada em Brasília, proferiu conferência na ocasião da instalação do I Fórum Regional de Alfabetização de Jovens e Adultos. Recebeu homenagem que, para ele, significava um doutoramento do povo, diploma que estava na cabeça, no corpo, na imaginação, no sonho de todo mundo.

 

Na UnB, deixou seus rastros em visitas e colaborações, integrando, inclusive, o Conselho Superior da Fundação Universidade de Brasília de 1987 a 1988. Recebeu, ainda, homenagens pelo Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, da Organização dos Estados Americanos (OEA), e do Centro Acadêmico de Pedagogia (1992), cujo nome leva o título de sua obra mais conhecida: Pedagogia do oprimido.

 

Para a Universidade, acolher a proposta da FE de outorga do título de Doutor Honoris Causa e aprová-la em seu Conselho Universitário (Consuni) foi uma atitude de reconhecimento à grandeza de um ser humano que espraiou emoções, compartilhou saberes, respeitou o outro, contribuindo para a compreensão do verdadeiro sentido do exercício da cidadania, da busca da emancipação e do aprender coletivamente, com liberdade.

 

Sobretudo, o reconhecimento visou disseminar a concepção desse educador, que imprime marcas no pensar, no agir, no implicar, no sentir, no fazer, no celebrar, no emancipar, no esperançar para a formação de educadores, seja nos espaços formais ou não formais.

 

Seu pensamento continua ecoando na UnB, onde está presente no desempenho de seus profissionais. Cada um à sua maneira, atuando de modo incessante no ensino, na pesquisa e na extensão, contribui para manter Paulo Freire "vivo" entre nós, aprofundando suas ideias na formação e nas práticas que realizam.

 

Celebremos o centenário de nascimento de nosso querido doutor honoris causa, o mestre Paulo Freire!

 

*Doutora em Ciências da Educação, pedagoga e professora aposentada da UnB. Entre 2010 e 2014, foi diretora da Faculdade de Educação.