DOSSIÊ

Embora reprovado por segmentos conversadores, legado de Paulo Freire se mantém relevante na atualidade

 

Ilustração: Francisco George Lopes/Secom UnB

 

Texto: Robson Rodrigues

 

Nos últimos anos, Paulo Freire passou a ser atacado por setores mais conservadores da sociedade. Manifestações de rua que desembocaram na interrupção do governo petista em 2016 trouxeram o nome do educador para o centro do debate político. Tentaram até mesmo, no Congresso Nacional, derrubar o título de patrono. "Chega de doutrinação marxista" e "menos Paulo Freire nas escolas" passaram a ser frases repetidas em protestos e nas redes sociais.

 

Ele também foi um dos principais alvos do projeto Escola sem Partido, que acusa professores de escola pública inspirados por Paulo Freire de promover doutrinação político-partidária dentro das salas de aula. No plano de governo de Jair Bolsonaro elaborado em 2018, o então candidato escreve: "Além de mudar o método de gestão, na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire."

 

Diante dos ataques insistentes, a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de "praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade intelectual" de Paulo Freire. A liminar foi publicada em 7 de setembro de 2021, às vésperas de seu centenário.

 

"Há muita distorção na compreensão de Paulo Freire", acredita Genuíno Bordignon, professor aposentado da Faculdade de Educação da UnB e consultor do Instituto Paulo Freire (IPF). "Muitos que o atacam simplesmente não o conhecem e ouviram falar de quem também não o leu", critica o pedagogo. Nita concorda. "Eles nunca ouviram, leram, aprenderam Paulo Freire. Nunca viram tudo o que ele fez de bonito, de generoso", lamenta.

 

O biografo Sérgio Haddad lembra de um episódio particular que reforça a ideia de que muitos reprovam Paulo Freire sem conhecê-lo. "Eu moro num bairro de classe média. Quando lancei meu livro, meus vizinhos, reconhecidamente conservadores, acabaram por lê-lo e acharam muito interessante."

 

Decorrências positivas

Nita Freire pondera que o movimento de ódio a Paulo Freire gerou uma contrapartida bastante positiva. "Muitos jovens passaram a ouvir falar em Paulo Freire e a procurar conhecê-lo. Isso, de certa forma, ajudou a divulgar as ideias dele."

 

Professora na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Rebecca Tarlau relata que Freire é aplicado como técnica pedagógica em muitos programas de educação nos Estados Unidos, mas sem sofrer a mesma resistência que no Brasil, "por ser menos conhecido por alas da extrema-direita" por lá.

 

Doutora em Estudos Sociais e Culturais na Educação, com ampla pesquisa baseada em Paulo Freire, a norte-americana acredita que o trabalho do brasileiro permanece com grande relevância em todo o mundo mesmo após tantos anos. "Eu sempre digo que o legado de Freire não está nas páginas do Pedagogia do oprimido, mas nas formas como as ideias do livro foram aceitas em todo o planeta, incluindo os Estados Unidos."

 

Para o argentino Carlos Alberto Torres, professor do Departamento de Educação da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Freire será "plena e honestamente reconhecido no século 21", apesar do momento de ataques ao legado do educador no Brasil. "A filosofia da educação de Freire e uma infinidade de outras percepções educacionais de seu trabalho serão ainda mais importantes do que nunca", afirma o estudioso do brasileiro e diretor fundador dos IPFs da Argentina, da Universidade de Los Angeles e de São Paulo. Segundo Torres, o impacto internacional de Paulo Freire é cada vez mais notável.

 

"Eu estudei uma infinidade de novos métodos, teorias, práticas que emergem da obra de Paulo Freire ou que são inspirados neles. A ecopedagogia está sendo implementada em várias partes do mundo. Além disso, diversas cátedras, institutos e escolas pelo mundo carregam o nome de Paulo Freire. São verdadeiros exemplos de educação libertadora e do impacto que Freire teve na teoria social e filosofia política da educação, bem como no desenvolvimento da epistemologia do Sul Global", analisa Torres.

 

Na opinião de Erasto Fortes, Paulo Freire permanece muito atual. "Escutei uma vez que só não matam Paulo Freire porque ele já morreu. Mas, infelizmente para essa turma, o legado de Paulo Freire ainda reverbera. Paulo Freire vive." Genuíno Bordignon também exalta essa herança: "Ficou de legado essa dimensão humana e desafiadora da educação. Ele é respeitadíssimo entre os educadores, que têm a filosofia do Paulo Freire incorporada. Eles têm esse amor à educação transmitida por ele. E a educação é capaz de tornar o mundo melhor."