Texto Pedro Toledo
Entre cooperações nacionais e internacionais, as comunidades acadêmica e científica estiveram e continuam à frente de uma série de estudos a fim de minimizar, prevenir e atenuar os danos causados pela crise sanitária que assola o planeta. Já em fevereiro, em tempo recorde, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das Universidades de São Paulo (USP) e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma do vírus Sars-Cov-2. O achado abriu portas para identificar características do vírus e encontrar informações usadas na produção de vacinas e testes diagnósticos.
Segundo uma das coordenadoras da equipe da USP, a biomédica e pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da USP, professora Jaqueline Goes, a pandemia foi responsável por começar a transformar a visão que a população tem das universidades. “O atual contexto lançou luz sobre a atuação dos cientistas e as pesquisas desenvolvidas. A sociedade como um todo passou a reconhecer essa atuação como algo de qualidade internacional”, afirma a professora.
Ela acredita que a pandemia – com a ajuda das notícias veiculadas nos meios de comunicação – possibilitou resgatar a importância da ciência na área da saúde no mundo todo. “A população começou a acompanhar o trabalho dos pesquisadores e os avanços das estudos, pelo anseio por uma vacina e medicamentos eficazes contra o vírus. Isso aproximou bastante a sociedade da realidade da pesquisa brasileira. Tenho esperança de que com isso a ciência tenha mais apoio da população e mais investimento por parte das autoridades públicas”, reitera a biomédica.
Na UnB, professores do Instituto de Ciências Biológicas (IB) foram os primeiros no Distrito Federal (DF) a sequenciar o genoma do novo coronavírus. Graças à infraestrutura existente no Laboratório de Microscopia Eletrônica e Virologia do Departamento de Biologia Celular da Universidade, os professores virologistas Bergmann Ribeiro, Tatsuya Nagata, Fernando Lucas de Melo e o biomédico Ikaro Alves de Andrade puderam comparar esse genoma com outros já sequenciados no mundo. A empreitada, feita em parceria com o laboratório Sabin, pôde evidenciar como o vírus se espalha na epidemia, como ele se altera e se as mudanças causam mutações nas propriedades biológicas virais.
A presença das instituições de ensino superior não parou no estudo do vírus. Muitas universidades iniciaram pesquisas relevantes em diversas áreas, a exemplo do tratamento dos doentes. Em seis meses, cientistas puderam evidenciar a ineficácia de certos medicamentos e encontraram indícios de que outras substâncias seriam benéficas. Um exemplo é a pesquisa do Instituto Vital Brazil, que, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), está investindo em técnica já conhecida e bastante promissora: o uso do plasma de cavalos com anticorpos para tratar pessoas contaminadas com o novo coronavírus.
Outra área que exigiu esforços contínuos durante os primeiros meses da pandemia foi a de testagem. Assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que um dos principais caminhos para frear a pandemia seria a testagem em massa, a demanda por testes RT-PCR, capaz de confirmar a presença do vírus no paciente, aumentou drasticamente. Neste contexto, novamente, as instituições se integraram para viabilizar o processo.
A Universidade de Brasília, por exemplo, uniu-se ao Hospital das Forças Armadas (HFA) para treinar a equipe interna para a realização dos testes RT-PCR, sob a coordenação do professor Ricardo Titze de Almeida – que está à frente do Laboratório de Tecnologias para Terapia Gênica (FAV/UnB) e é membro do Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de Combate à Covid-19 da UnB (Copei).
A prevenção também não saiu do radar. A UnB iniciou, logo no início da pandemia, a produção de álcool em gel e distribuiu o produto de fabricação própria pelos quatro campi, incluindo os ambientes laboratoriais da Universidade. Já em março, foram 300 litros de álcool em gel que saíram do Instituto de Química.
O professor Pastore, por exemplo, realiza pesquisas sobre a Amazônia e proteção da floresta, que é uma contribuição da academia em prol da preservação de um dos biomas mais importantes do mundo. “Nós, a universidade, temos sim que dar respostas aos problemas da sociedade. Eu acho que este exercício que tivemos neste momento de crise sanitária promoveu uma melhor reflexão de como a universidade pode ser mais proativa no sentido de se antecipar aos problemas”, ressalta o pesquisador.
Enquanto parte da comunidade acadêmica se esforçava para traçar uma projeção da crise, outra parte tratou de analisar questões socioeconômicas do presente. O Brasil, um país com extremas desigualdades, foi rapidamente percebido como epicentro de um outro fenômeno da pandemia: os mais pobres e os negros foram os mais atingidos. Esse retrato social foi apontado já no primeiro trimestre em pesquisas, como a realizada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Assim, percebidas as carências das populações locais, universidades viabilizaram programas para ajudar pessoas em vulnerabilidade social. Foi o caso da UnB, que desenvolveu uma campanha para alcançar as necessidades desta parcela da população, com distribuição de alimentos e máscaras. O Instituto de Psicologia promoveu ainda o apoio psicológico a muitos que foram impactados pela covid-19, entre profissionais da saúde e pessoas que perderam entes queridos.
Força-tarefa
Diante de inúmeras propostas, pesquisas e projetos, a Universidade de Brasília compreendeu que seria necessário apoiar as pesquisas e a inovação por meio de editais. Assim, foi formado o Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de Combate à Covid-19 da UnB (Copei), uma verdadeira força-tarefa para viabilizar ações no enfrentamento à pandemia.
O Copei foi nomeado pela reitora Márcia Abrahão já em março, quando a covid-19 começava a sua expansão no Brasil. O comitê conta com 35 membros, de diferentes áreas do conhecimento, empenhados em planejar, sistematizar e buscar a execução de ações institucionais de pesquisa, inovação e extensão no enfrentamento à pandemia.
De acordo com a presidente do Copei, professora Claudia Amorim, um dos objetivos do comitê é potencializar as ações e o impacto dos projetos da UnB. “A ideia de reunir um comitê para se pensar somente nestes projetos de combate à covid-19 possibilitou focar nas muitas pesquisas que já existiam na universidade. Ou seja, são pesquisadores e extensionistas que já tinham ideias e ações neste sentido, mas que precisavam ser reconhecidos e impulsionados institucionalmente”, afirma a docente, que é decana em exercício do Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI).
Desde sua formação, o Copei já realizou duas chamadas prospectivas de projetos, reunindo quase 200 iniciativas em 35 diferentes áreas, com o envolvimento de mais de 1.800 pesquisadores da UnB e parceiros.
Com esses números, a professora Claudia Amorim acredita que o Copei vem cumprindo o seu papel, estimulando o surgimento de novas pesquisas, evidenciando todo o potencial da Universidade de Brasília por meio da construção de um grande portfólio de projetos de combate à covid-19. Para ela, o Copei foi além de sua designação inicial, atuando de forma criativa na proposição de novas soluções como um webinário de apresentação dos projetos, a publicação especial da Revista Participação na edição de setembro, com 57 projetos descritos, e a criação de uma disciplina voltada à graduação e pós-graduação, a Pesquisa Científica em Grandes Temas – Covid-19, entre outros.
Outro importante grupo envolvido na gestão da crise sanitária na UnB foi o Comitê Gestor do Plano de Contingência da Covid-19 (Coes). Ele nasceu a fim de monitorar, desde o começo da pandemia,
s dados sobre a covid-19 e gerenciar ações capazes de conter o avanço do vírus na comunidade acadêmica. Uma das ações de destaque do comitê é o boletim semanal, que compila dados da pandemia no Distrito Federal (DF), no Brasil e no mundo, com resumos das ações de diversos departamentos frente à pandemia.
De acordo com o médico veterinário Jonas Brant, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) e membro do Coes, graças ao comitê, a UnB foi uma das primeiras universidades do país a ter um plano de contingência para enfrentamento da crise. “Isso nos permitiu pensar nas diferentes fases da pandemia”, resume o professor.
O monitoramento dos dados possibilitou uma gestão mais eficiente da instituição frente à crise sanitária pois, a partir deles, foi possível definir a fase de ativação que o plano de contingência teria. “Por exemplo, agora começamos a ver uma redução do número de casos no Distrito Federal, então começamos a chegar na próxima fase de permitir o início da recuperação. Todos os passos são baseados nos dados da Sala de Situação, por meio dos Guardiões da Saúde, e no monitoramento das informações produzidas pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal”, esclarece Jonas.
A Universidade de Brasília também se voltou para as transformações internas ocorridas durante a pandemia. Assim se formou o Comitê de Coordenação de Acompanhamento das Ações de Recuperação (CCAR). Aqui, o objetivo é planejar e estruturar ações institucionais para que o retorno das atividades acadêmicas ocorra de maneira coordenada. Com base nos dados fornecidos pelos dois outros comitês (Copei e Coes), o foco do CCAR está em organizar as mudanças na forma de trabalho, nas metodologias de ensino e nas práticas de limpeza e higiene da Universidade.
Presidido pelo vice-reitor da UnB, Enrique Huelva, o CCAR esteve intensamente envolvido no planejamento do retorno às atividades e na implementação do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), que já funciona desde maio. As medidas, consideraram, inclusive, o fato de que muitos discentes não possuem acesso à internet, o que apontou na direção dos editais de apoio a esse público.
UnB em ação
Desde o começo da pandemia, pesquisadores de diversas instituições do Brasil e do mundo iniciaram um movimento de resposta e enfrentamento à crise sanitária. Na Universidade de Brasília, são cerca de 170 pesquisas em andamento em 14 diferentes categorias, contempladas nos editais da universidade voltados para a temática.
A captação de recursos, viabilizada pelos comitês, veio por meio de instituições privadas, investimentos públicos e da sociedade civil organizada. Foram financiadas dezenas de pesquisas, em diversas áreas do conhecimento, que tiveram como propósito contribuir com a gestão da crise sanitária em todas as suas esferas.
Um dos projetos é o Centro Interdisciplinar em Telessaúde para atendimento a pacientes com risco de morbiletalidade para a covid-19, que pretende categorizar, desenvolver, implantar e avaliar o impacto de um núcleo interdisciplinar no atendimento a pacientes de alto risco de morbiletalidade, ou seja, aqueles com maior probabilidade de vir a óbito durante a epidemia do novo coronavírus.
A iniciativa é coordenada pelo professor Hervaldo Sampaio Carvalho, da Faculdade de Medicina (FM), com a parceria de diversos docentes e estudantes da UnB, além de profissionais do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O projeto ainda não foi contemplado financeiramente, mas já atende pacientes com doenças crônicas e covid-19 no HUB.
“Estamos inovando ainda mais o sistema de telessaúde, que já era uma inovação. Isso por que o atendimento centrado no indivíduo precisa levar em consideração todas as vertentes que podem influenciar o seu estado de saúde ou doença. Entendemos que o atendimento interdisciplinar pode ser uma das formas de atingir este objetivo”, avalia o professor.
Para Hervaldo Carvalho, um dos problemas advindos com a pandemia foi o isolamento de pacientes portadores de doenças crônicas e todas as inúmeras consequências decorrentes. “São muitos fatores que têm contribuído para a piora de doenças e instabilidade emocional desses pacientes, como a falta de informações, a grande quantidade de notícias inadequadas circulando, uma menor disponibilidade dos serviços de saúde direcionados ao atendimento do paciente com covid-19, e sentimentos como medo, comum em pacientes com maior risco de morbiletalidade (pacientes obesos, idosos, hipertensos, cardiopatas, diabéticos, portadores de doenças autoimunes)”, explica o coordenador.
Outro projeto do portfólio do Copei é o Sistema integrado da rede de atenção à saúde mental no Distrito Federal frente a epidemia de Covid-19, que vai acompanhar e avaliar a execução do Plano de Ação e Matriciamento, um trabalho em rede de proteção à saúde mental no contexto da pandemia.
A ação é coordenada pela professora Katia Tarouquella e conta com uma parceria entre o grupo de trabalho de Saúde Mental, vinculado à Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu), e cinco alunas da graduação do curso de Psicologia da UnB. Ainda sem financiamento, o projeto vem realizando o levantamento dos atendimentos aos pacientes com foco em saúde mental no DF.
“Os pesquisadores evidenciam alguns sintomas, como estresse, insônia, raiva, depressão, irritabilidade, entre outros. Assim, faz-se necessário uma rede de apoio integrada intersetorial e interdisciplinar para promover uma articulação entre setores sociais diversos para enfrentar o problema dos impactos para a saúde mental no período de isolamento social”, destacou a coordenadora.
O projeto alega a importância da atenção à saúde mental e o papel da rede no acolhimento aos usuários. A coordenadora acredita que ele poderá contribuir para a compreensão de situações extremas que possam gerar forte impacto na saúde mental da população. “Os serviços em rede precisam ser fortalecidos, bem como seus quadros, para que possam, diante de situações extremas, encontrar modos de sustentar todos os desafios”, complementou a professora Katia Tarouquella.
O projeto Cidades saudáveis, agroecologia e soberania alimentar: (re)significação para enfrentamento da covid-19 nas regiões periurbanas e periféricas do DF foi também umas das propostas aprovadas pelo edital do Copei entre as medidas de combate ao novo coronavírus. O trabalho visa investigar e cartografar a existência de meios de subsistência alimentar no Distrito Federal no âmbito do planejamento urbano e rural no momento de enfrentamento à covid-19.
“O projeto trata da relação entre a região urbana e a região rural quanto aos aspectos alimentares, buscando compreender de onde o alimento sai, por onde ele passa, e como ele chega até as pessoas”, resume a coordenadora da iniciativa, professora Liza Maria Souza de Andrade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB.
“Em relação à covid-19, buscamos compreender como isso acontece em meio à possibilidade de abastecimento de alimentos por circuitos curtos e redes solidárias de suprimento e segurança alimentar. Além disso, investigamos como é a relação do sistema alimentar com a produção de alimentos de qualidade nutricional por modelos agroecológicos”, complementa.
O projeto irá verificar e ilustrar, na forma de mapas, as redes alimentares existentes no DF com foco na produção agroecológica, sejam elas solidárias ou não. O objetivo é contribuir para a dinamização e expansão do alcance dessas redes nas regiões periurbanas e periféricas, onde a população tem maior dificuldade de acesso aos alimentos, seja pelo preço de venda, seja pelo abastecimento precário, ou mesmo pela falta do alimento. “Assim, os impactos mais significativos do projeto são promover a produção agroecológica em várias escalas e a conscientização sobre soberania e segurança alimentar para a promoção da saúde para além do momento de pandemia”, ressalta a pesquisadora.
A decana em exercício no Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI) e presidente do Copei, Claudia Amorim, destaca que a contribuição da universidade é um patrimônio nacional, resultado de anos de investimentos. “O trabalho é somente possível pelo investimento feito ao longo de décadas para construir e manter uma infraestrutura robusta em termos de espaço físico e equipamentos, além do enorme esforço de formação de pesquisadores”, declara.
“Tudo isto agora, colocado em ação, tem um enorme poder transformador, se bem direcionado e conduzido de forma harmoniosa para trazer à sociedade todas as contribuições da UnB no combate à covid-19 e todas as suas consequências”, finaliza.