Mercedes Bustamante tece reflexões sobre biodiversidade brasileira, agricultura sustentável e combate à fome

 Agricultura sustentável

 

Texto: Mercedes Bustamante, professora da UnB, membra da Academia Brasileira de Ciências e presidenta da Capes.

Ilustração: Igor Outeiral

 

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram adotados pelas Nações Unidas em 2015 como um apelo global às ações para acabar com a pobreza, proteger o planeta e assegurar que, até 2030, todas as pessoas desfrutem de paz e prosperidade. A transformação da agricultura e dos sistemas alimentares está hoje na interface de desafios nacionais e globais, sendo central para o atingimento de vários dos ODS.

 

Globalmente, a conversão de ecossistemas naturais para a pecuária e agricultura é fonte significativa de emissões de gases de efeito estufa, devido à perda de carbono contido na biomassa acima e abaixo do solo. No Brasil, o desmatamento e as subsequentes mudanças de uso da terra para agricultura e pecuária representam as principais contribuições do país para o aquecimento global. A perda da cobertura vegetal nativa é também importante causa de perda de biodiversidade.

 

Mercedes Bustamante. Foto: Raquel Aviani.

MercedesBustamante menor RaquelAviani No entanto, apesar do Brasil estar entre os quatro países no mundo com maiores áreas dedicadas às atividades agrícolas, retornamos a um quadro agudo e preocupante de insegurança alimentar de segmentos mais vulneráveis de nossa população. Prover alimentação em quantidade e qualidade adequadas para todos contribui para a saúde e o bem-estar humano com impactos positivos sobre a educação, o potencial produtivo e a prosperidade da sociedade. Ao mesmo tempo, o uso e gestão eficientes da terra são necessários para maximizar a produtividade das culturas, minimizando os impactos ambientais associados à perda de habitats e de recursos naturais, como solos e água.

 

Outro aspecto crítico nas interrelações entre sistemas alimentares e meio ambiente é a perda da diversidade genética de espécies de plantas e animais nos sistemas produtivos, o que coloca em risco a própria agricultura e ameaça o fornecimento futuro de alimentos. Por exemplo, de acordo com a FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, a seleção de variedades de arroz e cereais com base no rendimento e uniformidade para atender às demandas da agricultura industrial levou a uma perda de 75% da diversidade genética de tais culturas desde os anos 1900.

 

Como um país megadiverso, o Brasil é uma fonte de recursos biológicos que podem ampliar a diversificação dos nossos sistemas alimentares e cadeias produtivas associadas. O uso de nossa biodiversidade para construir segurança alimentar deve incluir a repartição justa e equitativa dos benefícios, sobretudo com povos indígenas e comunidades locais e tradicionais que, em seus sistemas agrícolas, contribuem com a diversificação de cultivos e criações e com sua adaptação in situ às novas condições ambientais.

 

Em tal contexto, orientar nossos esforços de pesquisa e desenvolvimento para responder aos desafios do enfrentamento da fome e da insegurança alimentar, com apoio à agricultura familiar e aos pequenos produtores, e sustentabilidade ambiental na agricultura de larga escala é um dos caminhos necessários para a transformação de nossos sistemas alimentares.

 

Um levantamento conduzido por uma das maiores editoras de periódicos científicos do mundo (Elsevier), apontou que o Brasil está entre as nações que lideram a produção científica sobre o ODS Fome Zero e Agricultura Sustentável. A produção científica nacional ficou 110% acima da média mundial com mais de 10 mil artigos publicados, entre 2019 e 2022. Tal produção nos colocou no 5º lugar mundial em estudos científicos relacionados à erradicação da fome; sendo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação, 4º lugar entre as agências de fomento internacionais que mais financiaram essas pesquisas.

 

A atuação da Capes tem no apoio aos Programas de Pós-graduação (PPG), a partir da concessão de bolsas de formação e recursos de custeio, um de seus principais eixos norteadores. As universidades públicas brasileiras e seus PPG respondem pela maior parte da produção científica brasileira. A convergência de tais resultados indica como as ações de indução de agências de fomento para ciência e educação cumprem uma função essencial para a sociedade brasileira no enfrentamento de questões tão pungentes como o combate à fome.

 

A produção de alimentos representa uma conexão vital entre as pessoas e o planeta, e os investimentos em ciência que consideram suas complexas interfaces devem ajudar a alavancar a agenda dos ODS e seus múltiplos benefícios.