Professores e estudantes desenvolvem ferramenta para interação entre aparelhos eletrônicos em uma casa inteligente. Simulação mostra como tecnologia pode contribuir para o cuidado de idosos

 

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Texto: Marcela D'Alessandro

Design: Marcelo Jatobá

 

Imagine uma casa em que fosse possível conectar, de uma só vez, vários equipamentos eletrônicos que se “enxergam” e que funcionam de maneira orquestrada e organizada. Agora, pense em acionar toda essa tecnologia por meio do celular ou do relógio inteligente para, por exemplo, auxiliar na identificação de aglomerações em determinados lugares fechados e, com essa informação, deixar o ambiente mais frio, mais quente ou até para pedir a dispersão daquele grupo, se necessário.

 

Hoje isso já seria possível, segundo pesquisadores da Universidade de Brasília. Eles desenvolveram um software, chamado HOsT, cujo intuito é lidar com a variedade de dados produzidos pelos objetos inteligentes e ampliar a capacidade que os itens têm para atuar em conjunto no contexto de uma casa inteligente.

 

“O que seria uma casa inteligente? A que consegue captar, com sensores, diversos tipos de dados”, sintetiza Artur Henrique Brandão de Souza, que participou da pesquisa quando estudante de graduação. O egresso do curso de Ciência da Computação cita exemplos: um lugar com detectores de temperatura, umidade e presença em cada cômodo; câmeras de vigilância na área externa; televisões smart, microfones ou assistentes virtuais para captação de voz, como a Alexa.

 

Souza pontua que esses equipamentos geram dados heterogêneos, ou seja, diferentes uns dos outros, e por isso muitas vezes não têm a capacidade de conversar entre si, o que os especialistas chamam de interoperabilidade. “A ideia é que a arquitetura HOsT capture os dados produzidos e consiga fazer algo útil com eles, como enviar ao computador para análise”, complementa.

 

Em uma situação hipotética simples, via HOsT, além da funcionalidade padrão de dar respostas a alguém, a Alexa ganharia a capacidade de informar sobre o funcionamento de outra tecnologia inteligente dentro da casa. Quer dizer que mesmo com dados heterogêneos, os aparelhos teriam condições de operarem juntos, e o usuário, de fazer análises mais completas do ambiente para tomar decisões.

 

Pela proposta do grupo, toda a comunicação entre os objetos inteligentes e o software HOsT será feita por meio de um método chamado Pub/Sub ou Publish and Subscribe – que traduzido de forma livre para o português significa publicar e assinar (ou se inscrever), no sentido de receber informações apenas do objeto de interesse.

 

“Sensores pequenos vão fazer os processos de publicar [os dados], enquanto os subscribe serão os equipamentos que desejam obter esses dados. Por exemplo, o computador é um equipamento de destino ou final; ele pode fazer um subscribe [uma inscrição] para os dados vindos da Alexa. Como consequência, a arquitetura HOsT fornecerá apenas os dados de voz advindos deste equipamento selecionado”, detalha Artur.

 

TECNOLOGIA BARATA

A solução encontrada pelos pesquisadores da UnB é considerada de baixo custo porque prioriza a utilização de dispositivos que já fazem parte da rotina de parcela da sociedade.

 

Para que o HOsT funcione, é preciso que os objetos estejam relativamente próximos, como acontece no ambiente de uma casa, e conectados à internet, para que estabeleçam uma relação tecnológica chamada de névoa.

 

Glossario tecnologico

Computação em névoa: Tecnologia usada para fornecer serviços e recursos computacionais aos usuários. Permite que dispositivos e sensores inteligentes em casa sejam capazes de processar dados em tempo real e tomar decisões autônomas com base nessas informações. É preciso que os objetos estejam relativamente próximos.

 

“Os gastos são menores quando você não necessita criar o hardware do ‘zero’. Consumir dados que são produzidos por sensores e tratá-los é bem menos oneroso quando os equipamentos já têm a capacidade de enviar essas informações a todo momento, sem interromper a rotina do usuário”, avalia o coautor do estudo, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade, Vinícius Pereira Gonçalves.

 

O celular, por exemplo, está presente na vida de 155,2 milhões de brasileiros com dez anos de idade ou mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número representava 84,4% da população nessa faixa etária em 2021 – percentual maior que o estimado em 2019 (81,4%).

 

“Considerando esses dados, nossa pesquisa busca otimizar o uso do maior número possível de sensores presentes no celular, como os de movimentos, umidade e temperatura, proximidade, luminosidade [RGB], ritmo cardíaco, impressão digital, entre outros”, elenca o docente.

 

IDEIA X REALIDADE 

Por enquanto, a viabilidade de aplicação do novo software restringe-se a estudos dos recursos computacionais e da infraestrutura de comunicação, com análises publicadas na revista científica de alto impacto internacional Sensors. “Não podemos esquecer que temos uma solução de pesquisa. Para essa solução se tornar um produto comercial, há alguns passos a serem seguidos”, ressalta Gonçalves.

 

A pesquisa simulou hipoteticamente a utilização do HOsT em um lar inteligente para idosos. Câmeras térmicas e de baixa resolução conseguiriam monitorar eventos atípicos no local, como a queda de algum morador. Neste caso, qualquer dificuldade de locomoção poderia ser detectada com um microcontrolador acoplado à câmera térmica que, por sua vez, iria se comunicar com outros microcontroladores da Smart Home [casa inteligente], formando então uma rede local sem fio. O funcionamento seria semelhante ao do bluetooth, porém baseado no wi-fi ou padrão Zigbee – que busca uma comunicação confiável, sem fio, com baixas taxas de consumo de energia e baixa latência.

 

Por meio de uma conexão de celular e da internet, os sensores enviariam esses dados para um servidor central, que seria o HOsT em si, capaz de receber, processar e armazenar as informações, além de fornecer acesso aos usuários e envio de avisos – neste caso, os cuidadores de pacientes vulneráveis ou seus responsáveis.

 

“Smartphones, smartwatches e wearable technologies serão os dispositivos usados para receber esses alertas, por meio de avisos sonoros, mensagens, imagens e vídeos”, conta Vinícius.

 

Nesse tipo de lar inteligente, haveria a captação de dados do ambiente durante todo o tempo, seja de voz, temperatura, umidade, vídeo, termômetro corporal e muitos outros – como preconiza o modelo conhecido como Internet das Coisas (Internet of Things ou IoT, em inglês).

 

“A partir desses dados coletados [pela tecnologia HOsT], seria possível realizar avaliações em tempo real, acompanhando, por exemplo, o bem-estar do usuário”, reitera Geraldo Rocha Filho, primeiro autor da pesquisa.

 

O ex-docente do curso de Ciência da Computação da UnB complementa que o HOsT fornece escalabilidade, independente dos tipos de dispositivos e dados utilizados, ou seja, o software está pronto para crescer e ser aplicado em novas situações. “Nossa próxima etapa é validar sua implantação em cenários reais, como uma ferramenta para diferentes tipos de aplicações em ambientes internos inteligentes.”

 

 Confira mais vídeos sobre a tecnologia HOsT.

 

POR TRÁS DA PESQUISA

Conhecidos desde a época do doutorado na Universidade de São Paulo, os docentes Geraldo e Vinícius já vinham desenvolvendo investigações científicas sobre Internet das Coisas, objetos inteligentes, heterogeneidade de dados, interoperabilidade e, mais recentemente, computação em névoa.

 

O projeto teve início em 2020 e foi desenvolvido a distância até o retorno presencial das aulas na UnB, após a pandemia de covid-19. Além dos professores de Engenharia Elétrica (ENE) e de Ciência da Computação (CIC), Vinícius Pereira Gonçalves e Geraldo Rocha Filho, participaram ativamente da pesquisa os então graduandos de CIC Artur Brandão e Renato Nobre e os pesquisadores Rodolfo Meneguette e Heitor Freitas, da Universidade de São Paulo e do Sidia Instituto de Ciência e Tecnologia.

 

Estudantes dos programas de pós-graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE), em Ciência da Informação (PPGCINF), em Computação Aplicada (MPCA) e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Engenharia Elétrica (PPEE) também integraram a iniciativa em momentos específicos.

 

“Sabemos da importância de trabalhar em grupo e estamos preocupados com a melhor formação científica para os nossos alunos. Por isso, formamos um grupo interdisciplinar, em diferentes frentes de pesquisa, para que um estudante colabore com o outro com o seu conhecimento”, frisa Geraldo Rocha Filho.

 

“Outro aspecto é a exposição do aluno ao seu trabalho para que possam interagir pessoalmente com outros pesquisadores e, com isso, aprender a importância da troca e discussão de ideias dele próprio e de outros”, finaliza o docente, hoje vinculado à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

 

“Esse projeto teve vários desafios, incluindo a aparição da covid e a interrupção das aulas na UnB. Eu me senti muito grato pela oportunidade. Por termos tido metas para cada duas semanas, foi possível fazer de forma gradual, o que me ajudou muito. Foram diversas versões [do artigo], incluindo uma para a faculdade como trabalho final de graduação e outra para publicação. E notei o quanto foi diferente para cada um", relata o egresso Artur Brandão.

 

RECONHECIMENTO

A solução de software HOsT foi premiada na categoria Melhor artigo no Workshop de Trabalhos de Iniciação Científica e de Graduação (WTG), evento satélite do Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos (SBRC) – a maior conferência da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) na área de Redes de Computadores e Sistemas Distribuídos.

 

“Nos últimos anos temos contribuído com a área por meio dessa pesquisa, oferta de disciplinas, publicações e formação de discentes. Anualmente temos participado da maior conferência da SBC, publicando e apresentando artigos científicos”, comenta o docente Vinícius Gonçalves. 

 

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EU FAÇO CIÊNCIA

Quem são os pesquisadores: 

Artur Brandão de Souza é formado em Ciência da Computação pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é desenvolvedor na área de Business Intelligence no Instituto de Pesquisas Eldorado. 

 

Vinícius Pereira Gonçalves é doutor em Ciência de Computação e Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor adjunto do Departamento de Engenharia Elétrica (ENE) da Universidade de Brasília (UnB). 

 

Geraldo Pereira Rocha Filho é doutor e mestre em Ciência de Computação e Matemática Computacional pela USP e docente do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). 

 

Título do artigo: HOsT: Towards a Low-Cost Fog Solution via Smart Objects to Deal with the Heterogeneity of Data in a Residential Environment 

Onde foi publicado: Revista Sensors

 

GLOSSÁRIO TECNOLÓGICO

HOsT – software desenvolvido por pesquisadores da UnB capaz de interagir com diversos aparelhos eletrônicos inteligentes em um ambiente, de maneira integrada e organizada, e extrair dados específicos para resolver questões específicas ou tomar decisões. 

Smart home (casa inteligente) – possui dispositivos conectados à internet que podem ser acionados por meio de um aplicativo em um smartphone, permitindo que o proprietário controle vários aspectos da casa remotamente, como iluminação, temperatura e segurança. 

Smartphone (celular inteligente) – que possui tecnologias avançadas e reúne as utilidades de um aparelho telefônico e de um computador (por exemplo, hardware e software). 

Smart Objects (objetos inteligentes) – possuem capacidade de processamento e comunicação para coletar, armazenar, analisar e compartilhar informações de forma autônoma. 

Wearable Technologies (dispositivos vestíveis) – tecnologias similares a peças de roupa ou equipamentos vestíveis, como relógios, pulseiras ou óculos de realidade virtual, que podem rastrear, analisar ou transmitir dados pessoais. 

Smartwatch (relógio inteligente) – tipo de tecnologia vestível (ver tópico acima). 

Bluetooth – tecnologia sem fio de curto alcance usada para troca de dados entre dispositivos fixos e móveis em distâncias curtas e para a construção de redes de área pessoal (ao alcance do indivíduo). 

Padrão Zigbee – sistema de comunicação de rede sem fio semelhante ao bluetooth, que busca uma comunicação confiável, com baixas taxas de consumo de energia e baixa latência. 

Computação em névoa – tecnologia usada para fornecer serviços e recursos computacionais próximos aos usuários, permitindo que dispositivos e sensores inteligentes sejam capazes de processar dados em tempo real e tomar decisões autônomas com base nessas informações. 

Software – programa ou aplicativo que faz com que um computador ou equipamento eletrônico funcione. 

Hardware – conjunto dos componentes conectados externamente a um dispositivo eletrônico. 

Internet of Things (IoT ou internet das coisas) – refere-se à interconexão digital de objetos cotidianos com a internet; é que uma rede de objetos físicos capaz de reunir e de transmitir dados.