Professora da UnB e presidenta da Sociedade Brasileira de Matemática, Jaqueline Mesquita discorre sobre entraves e avanços do Brasil na pesquisa matemática em termos globais

 

Jaqueline Mesquita, professora do MAT, recebeu o prêmio Science, She Says Award, como representante de toda a América do Sul, América Central e Caribe. Foto: Arquivo pessoalA matemática brasileira atualmente vivencia uma dicotomia. Por um lado, o Brasil alcançou reconhecimento internacional notável no campo da pesquisa matemática, com conquistas impressionantes.Em 2014, o país foi honrado com a prestigiosa Medalha Fields, equivalente ao Prêmio Nobel na área, tornando-se o único da América Latina a receber a distinção. Em 2018, organizou o maior evento de matemática do mundo, o International Congress of Mathematicians, sendo o primeiro e único país do hemisfério sul a sediar esse encontro de renome. Além disso, o Brasil conquistou um lugar no Grupo 5 da União Matemática Internacional (IMU, sigla em inglês), o que garante a presença de cinco membros brasileiros na Assembleia Geral da IMU, onde decisões cruciais para o futuro da matemática global são tomadas. Vale ressaltar que somos a única nação em desenvolvimento nesse grupo.

 

Essas realizações refletem o crescente reconhecimento e visibilidade da pesquisa matemática brasileira em escala global. Por outro lado, embora as conquistas nos encham de orgulho, é lamentável observar que a educação matemática na base do ensino no Brasil está longe de ser um exemplo a ser seguido por outros países. A deficiência na educação matemática básica tem sido evidenciada por meio de diferentes avaliações, inclusive em testes como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), onde os estudantes brasileiros têm obtido resultados insatisfatórios.

 

Além disso, a pandemia que se estendeu por dois anos exacerbou ainda mais os desafios enfrentados na educação básica, cujos impactos completos ainda não podem ser plenamente avaliados, mas certamente se manifestarão nos anos vindouros. Nesse contexto, é imperativo que sejam implementadas políticas públicas para reverter essa situação visto que, à medida que o tempo avança, jovens talentosos em matemática podem estar perdendo oportunidades de desenvolvimento devido à falta de estímulo e investimento em sua formação inicial.

 

É fundamental ressaltar que, em um cenário no qual os desafios globais prementes demandam soluções criativas, não podemos nos dar ao luxo de perder talentos, especialmente na matemática, área que desempenha papel fundamental no avanço de diversas disciplinas.

 

Outra preocupação de grande relevância é a falta de representatividade das mulheres nesse campo, fator que também contribui para a perda de talentos. Atualmente, a presença feminina na pesquisa matemática de alto nível é notavelmente escassa; uma situação alarmante.

 

Apenas em 2014 testemunhamos a primeira mulher (Maryam Mirzakhani) a receber a Medalha Fields, e somente em 2022 tivemos uma segunda mulher (Maryna Viazovska) a ser reconhecida com a honraria. O Prêmio Abel, outra importante premiação na área, também revela a falta de representatividade, com apenas uma mulher (Karen Uhlenbeck) laureada até o momento.

 

No âmbito nacional, o surgimento do Torneio Meninas na Matemática, em 2019, chama atenção para a ausência de competições na área que sejam voltadas, exclusivamente, para meninas. Apesar de tardio, esse torneio desempenha um papel crucial na identificação de jovens talentosas em matemática no Brasil e na promoção da representatividade do país em competições internacionais.

 

Todos esses aspectos merecem reflexão, destacando-se a necessidade de ações destinadas ao incentivo da participação feminina na matemática desde a infância. Para tal, é fundamental criar modelos inspiradores para as jovens, possibilitando que elas se sintam pertencentes a esse espaço.

 

Durante muito tempo, as mulheres foram excluídas desse campo, com acesso limitado à educação superior. O envolvimento em atividades científicas era praticamente proibido para elas. No entanto, histórias inspiradoras como a de Sophie Germain, que teve que se disfarçar de homem para estudar e colaborou com o renomado matemático Carl Friedrich Gauss, e a de Marie Curie, que conquistou dois prêmios Nobel e teve um impacto duradouro na ciência, demonstram que as mulheres têm um papel essencial na matemática e na ciência em geral.

 

É crucial que a sociedade reflita sobre as medidas necessárias, tanto em nível nacional quanto internacional, para promover a diversidade na ciência e garantir que talentos não sejam desperdiçados. O diálogo entre os diversos setores da sociedade é urgente e essencial para garantir o investimento em educação pública de qualidade e a promoção de mudanças significativas nesse cenário.

 

Nesse contexto, é fundamental que as políticas públicas se concentrem em impulsionar o ensino de matemática desde a base, fomentar a participação de mulheres e garantir que o Brasil mantenha sua posição de destaque no cenário internacional de pesquisa matemática.

 

Por meio de esforços coletivos e investimentos na educação, podemos alcançar um futuro mais promissor no qual talentos matemáticos sejam nutridos desde cedo, independentemente de gênero, e em que a matemática continue a ser uma ferramenta poderosa na solução dos desafios globais que enfrentaremos.