Texto Bruno Machado Teles Walter e Anderson Cassio Sevilha

Ilustrações Marcos Silva-Ferraz/NicBio UnB

 

Brasil possui seis biomas oficiais. O maior é a Amazônia, que ocupa 49,3% do território, seguido por Cerrado (23,9%), Mata Atlântica (13,0%), Caatinga (9,9%), Pampa (2,1%) e Pantanal (1,8). O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, faz extenso contato com quatro biomas, exceto o Pampa.

 

Etimologicamente, Cerrado significa fechado, palavra que buscou expressar sua vegetação savânica adensada. As belezas naturais do bioma, sua importância, características e peculiaridades não param de ser contadas em prosa, verso, e em publicações científicas e de divulgação na mídia. Entre o público especializado, é chover no molhado pontuar que o Cerrado é um bioma diverso, importante e único. Por estudar, revelar e publicar incontável número de evidências, a comunidade científica conhece tais qualidades há quase um século. E foi justamente por elas que, em 1998, o Cerrado passou a ser considerado um hotspot mundial de biodiversidade, conceito este que define regiões do planeta com alta riqueza em espécies, extraordinária concentração de endemismos, porém sujeitas a um excepcional grau de ameaça ou perda de habitats. Restritos a apenas 2,3% da superfície do globo, os hotspots comportam cerca de 50% das plantas vasculares e 42% dos vertebrados terrestres endêmicos. Atualmente são 36 os hotspots mundiais e, dos biomas brasileiros, Mata Atlântica e Cerrado é que estão inclusos.

 

O Cerrado possui vegetação essencialmente savânica, mas também comporta trechos de florestas e campos puros, decorrentes de sua elevada heterogeneidade ambiental. Os cientistas há muito ressaltam os numerosos serviços ecossistêmicos essenciais prestados pelo Cerrado e, por estar envolvido no ciclo de águas, é considerado o berço das águas ou a caixa d’água do país. Das 12 regiões hidrográficas brasileiras tratadas pela Agência Nacional de Águas, oito delas possuem laços diretos com o bioma, destacando-se a bacia Amazônica. Releve-se ainda o fato de que o Cerrado abriga centenas de comunidades e populações tradicionais, que dele dependem e fazem uso de seus recursos naturais. Infelizmente essas informações não têm encontrado ressonância em nossa sociedade. Os modelos de desenvolvimento e as políticas de conservação adotadas no Brasil ignoram os agressivos processos de ocupação, que eliminam áreas nativas, e os perigos de modelos deletérios de uso da terra adotados desde meados do século XX.

 

Para ilustrar a importância, dados da flora brasileira mostram que o Cerrado é o segundo bioma mais rico do país, contendo 12.436 espécies catalogadas de angiospermas – as plantas com flores — ficando atrás da Mata Atlântica (15.538 espécies), mas à frente da Amazônia (12.178 espécies). Apesar da menor área ocupada, o Cerrado é mais rico em angiospermas do que a Amazônia, informação que surpreende a maioria das pessoas. Se acrescidos outros elementos da flora como as gimnospermas (pinheiros) e as samambaias, os números de Amazônia e Cerrado se equivalem, com 12.746 e 12.731 espécies, respectivamente. A Amazônia, que cobre quase 50% do território nacional, comporta somente 15 espécies de plantas a mais que o Cerrado, que ocupa 24% da superfície do país. Enquanto o Cerrado é essencialmente brasileiro, compartilhado em trechos curtos pela Bolívia e Paraguai, a Amazônia é compartilhada por nove países sul-americanos. Isso ajuda a explicar o fato de o Cerrado possuir 7.433 endemismos e a Amazônia bem menos: 2.652. Nenhuma das 15 espécies amazônicas de gimnosperma é endêmica do país, ao passo que, das três que ocorrem no Cerrado, duas são endêmicas. A menção a esses números não pretende diminuir a indiscutível importância da Amazônia, sua enorme diversidade florística e ambiental. Ao contrário, objetiva exaltar quão rico e importante é o Cerrado, bioma de clima sazonal que não facilita a vida dos vegetais que nele foram selecionados e evoluíram.

 

Ao longo do bioma, as plantas são submetidas a um regime climático que despeja em média de 1.200 a 1.500 mm de chuvas anuais, concentradas em apenas seis meses do ano. Nos outros seis, há grande limitação hídrica para as plantas, que devem suportar o longo período de estiagem. Além da seca, o fogo é outro elemento fundamental com o qual a biota do Cerrado evoluiu. Isso é para os fortes ou particularmente para as plantas fortes. E essas fortes são bem mais numerosas do que se pensou até os anos 1980, quando se imaginava que a Amazônia possuísse flora muito mais rica do que o Cerrado. Não é! Ambos são ricos, importantes e essenciais e ambos devem merecer os devidos cuidados de toda a sociedade. Se pretendemos ainda ter água de qualidade em um futuro próximo é preciso cuidar melhor de ambos agora. Os seres envolvidos com o ciclo hídrico, responsáveis por propiciar o acúmulo de água na caixa d’água dos planaltos do Brasil Central, são as plantas do Cerrado, e a elas devemos ter muito mais cuidado do que aquele dispensado nos últimos 50 anos, ou nos últimos 10 anos em particular. Menos de 40% da vegetação nativa do bioma se mantêm em situações de baixo impacto (apesar de números oficiais sugerirem 54%), e mesmo esses remanescentes estão sujeitos às ameaças oriundas da expansão da agricultura ou a invasões biológicas de todo o tipo.

 

É preciso rever o foco da ocupação e uso da terra no Cerrado. De fato, faz-se necessário desenvolver um planejamento que reordene sua ocupação e uso. As políticas públicas voltadas para o Cerrado têm que ser pensadas para além da garantia e da manutenção do PIB brasileiro atual, hoje centradas na exploração do agronegócio e dos minerais da região. Nesse reordenamento, é premente garantir conservação da biodiversidade; manutenção dos serviços ambientais; e um desenvolvimento econômico sustentável que inclua as populações tradicionais que, para reproduzirem seus modos de vida, dependem da funcionalidade equilibrada do bioma; dependem de um Cerrado íntegro, respeitado.

 

NÓS FAZEMOS CIÊNCIA

 

Quem são os pesquisadores:

 

Bruno Machado Teles Walter é pesquisador da Embrapa Cenargen há 30 anos. Engenheiro florestal e agronômo, possui mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade de Brasília. Desenvolve estudos em Botânica e Ecologia, com foco em florística, fitossociologia e fitogeografia de vegetações do Cerrado e de outras savanas e florestas.

 

Anderson Cassio Sevilha é pesquisador da Embrapa Cenargen há 18 anos. Biólogo pela Universidade Federal de Viçosa, possui mestrado em Botânica pela Universidade de Brasília e doutorado em Ciências pela James Cook University (Austrália). Trabalha com planejamento sistemático da conservação, considerando os impactos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade.