A impressão 3D dá novos rumos a projetos na Universidade de Brasília, incluindo a redução nos custos de produção

 

Texto Marcos Braz Fotos Raquel Aviani Ilustrações Camila Gentil Diniz

 

Como em filmes futuristas, a tecnologia de impressão 3D é capaz de trazer à realidade objetos criados virtualmente. A técnica, que ao primeiro olhar pode parecer extremamente complexa, é uma evolução das impressoras comuns, dessas que temos em casa. Funciona em duas etapas: criação de peças em um software adequado e envio a uma impressora. Assim, projetos arquitetônicos, peças de motores, engrenagens, próteses e outros equipamentos médicos podem ser fabricados. Tudo graças à utilização de equações aplicadas às três dimensões (altura, largura e profundidade).

 

Na Universidade de Brasília (UnB), esse recurso está sendo explorado em pesquisas. A professora de Engenharia Eletrônica Suélia Rodrigues Fleury Rosa desenvolveu um projeto chamado Rapha (“cura”, em latim), que utilizou a impressão 3D para auxiliar a cicatrização de lesões de pessoas com diabetes. Isso porque pacientes com a doença — 8,9% da população brasileira — costumam apresentar sérias dificuldades de cicatrização. Os ferimentos, que podem começar com pequenos cortes ou até arranhões, não se fecham e crescem devido à baixa capacidade de renovação dos tecidos.

 

O Kit Rapha, criado por Suélia, que tem pós-doutorado em Engenharia Biomédica pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT/EUA), traz um aparelho de luzes Led e lâminas de látex. Tudo vem com manual de instrução. Em funcionamento, o Led é ligado sobre a ferida e, entre a luz emitida e o ferimento, vai a lâmina de látex. Em parceria com o Laboratório Aberto (LAB), centro de produção em manufatura 3D da Faculdade de Tecnologia (FT) da UnB, a pesquisadora conseguiu desenvolver, com baixo custo, o suporte para as luzes Led. Nos orçamentos do mercado, cada aparelho chegava a custar 8 mil reais. Conhecido como fototerapia, o tratamento com uso da luz apresentou 90% de eficácia no grupo de ensaio clínico, testado em pacientes do Hospital Regional de Ceilândia (HRC).

 

Foto Leonardo, Rick e Renan com a impressora de baixo custo que construíram no Laboratório

 

Foto Professora Suélia e o Kit Rapha: projeto saiu do papel graças à tecnologia 3D

 

A diretora do LAB, Andréa Cristina dos Santos, destaca que iniciativas como a do laboratório são cruciais para tornar democrático o acesso à manufatura aditiva, como é conhecida a impressão 3D. “Lá fora, nos países estrangeiros, os moldes têm preços absurdos, totalmente inatingíveis para alunos que desenvolvem pesquisas. Elaborar um protótipo, uma peça para apresentação, não importa a árevvva de estudo, pode ser enriquecedor no processo de aprendizagem. Isso só é possível se a impressão for barata e acessível”, explica a diretora.

 

BAIXO CUSTO

 

Já no Laboratório de Fabricação Digital e Customização em Massa (LFDC) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), o estudante de pós-graduação Renan Balzani conseguiu reproduzir uma impressora 3D. A partir de um projeto de Adrian Bower, da universidade inglesa Bath, partes estruturais produzidas em acrílico foram cortadas com uma serra a laser; em seguida, ferragens e componentes elétricos, comprados em casas de material de construção, foram encaixados na estrutura. Engrenagens e outros componentes plásticos foram impressos utilizando tecnologia anterior existente no laboratório. Assim nascia uma impressora 3D de baixo custo, totalmente produzida no Distrito Federal.

 

Com a ajuda dos colegas de curso Leonardo Barreto e Rick Hudson, a impressora 3D vem sendo aprimorada desde 2012 e hoje auxilia os alunos no desenvolvimento de pesquisas e confecção de trabalhos acadêmicos, como maquetes. Para alunos de cursos como Arquitetura, a possibilidade de converter um projeto digital em um modelo físico facilita o processo de criação. O professor da FAU Neander Furtado explica como o imaginário se abre a essas possibilidades: “O aluno começa a projetar pensando muito nos cubismos, nas limitações retangulares e depois percebe que pode ir além das fronteiras e trabalhar com formas mais orgânicas e desafiadoras”.

 

A impressora foi usada também no desenvolvimento de peças para a construção civil que já estão sendo comercializadas. O cobogó, elemento vazado muito comum em construções brasilienses, é um exemplo. Desenvolvidos pelo trio Renan, Leonardo e Rick, o cobogó e uma luminária — também impressa na máquina de baixo custo — foram expostos em feiras de design como a Casacor, no estande do Sebrae.

 

Além da impressora 3D de baixo custo desenvolvida por Renan, a FAU dispõe de outra máquina de manufatura aditiva, que utiliza material semelhante ao gesso na construção dos objetos. O empecilho é o alto custo desse material: cerca de 10 quilos podem chegar a custar até 6 mil reais. Pensando nisso, alguns dos utilizadores do LDFC estão testando materiais alternativos como o açúcar. Os moldes perdem em resistência, mas os estudos e testes avançam para resolver esse aspecto. A perspectiva é que, muito em breve, as impressões já tenham uma redução drástica de preço.

 

SERVIÇO

 

Os estudantes de arquitetura interessados em usar a tecnologia para materializar seus projetos devem procurar o Laboratório de Fabricação Digital e Customização em Massa e conversar com o responsável no local e, em contrapartida, pede-se uma colaboração em insumos para produções futuras

 

Foto Maquetes podem ser criadas em impressoras baratas

 

Foto Modelo de impressora 3D usada no Lab Aberto da UnB

 

CONSTRUINDO UM SONHO

 

Juliana Martinelli, aluna de Engenharia Elétrica da UnB, enxerga tamanho potencial no uso de impressão tridimensional que possui hoje como meta construir uma casa a partir de peças impressas. Diante da oportunidade de participar de uma competição de startups, Juliana, a idealizadora do projeto, reuniu alguns amigos com quem trabalhou na empresa júnior Enetec, e se inscreveu no evento.

 

Estava plantada a semente do que viria a se tornar a Inova House 3D, startup com o objetivo de realizar pesquisas e desenvolver máquinas de impressão 3D capazes de transformar em realidade até casas inteiras de forma mais rápida, barata e sustentável.

 

A empresa nasceu do desejo de Juliana de ajudar vítimas de desastres naturais, principalmente depois do terremoto que atingiu a península de Tiburón, no Haiti, em janeiro de 2010. O tremor, somado às construções precárias e de má qualidade e serviços emergenciais pouco eficazes, causou mais de 300 mil mortes. Entre as vítimas fatais, estava o tio da estudante.

 

Quatro anos após o terremoto, em 2014, o pai de Juliana Martinelli foi trabalhar no Haiti em uma missão de paz da Organização das Nações Unidas. Isso fez a jovem acompanhar ainda mais de perto a realidade haitiana. O contato com a situação do país caribenho a motivou a correr atrás de alguma solução para acelerar a reconstrução do país. A ideia inicial de desenvolver um mecanismo que conseguisse imprimir casas de maneira prática, veloz e a baixo custo surgiu com o objetivo de suprir moradias para as vítimas do desastre. Se, na época, a impressão 3D de casas já fosse viável, os bairros destruídos poderiam ter sido, ao menos, parcialmente recuperados.

 

“Apesar de nosso modelo de negócio já ter mudado muito ao longo dos anos de trabalho, nós ainda temos muita vontade de usar a nossa tecnologia para ajudar vítimas de desastres naturais. A empresa não perdeu esse sonho de apoiar projetos sociais”, finaliza Juliana.

 

Foto A startup de Juliana espera apoiar em breve projetos sociais com a ajuda da impressora 3D. Foto: Heloíse Corrêa/Secom UnB

 

ENTENDA A IMPRESSÃO 3D

 

Conhecida tecnicamente como manufatura aditiva, a impressão 3D usa como principal matéria-prima filamentos plásticos. O nome da tecnologia faz referência às três dimensões exploradas: altura, largura e profundidade. Doutor em Engenharia Elétrica e professor do curso na UnB, Georges Daniel Amvame explica como funciona a técnica: “O filamento passa por um bico injetor, que aquece, puxa o material e vai desenhando o modelo em todos os eixos (x, y, e z), ou seja, na superfície plana e na altura. Com o material derretido, a impressora o deposita em camadas de acordo com o desenho feito antes no computador. De camada em camada, o modelo vai tomando forma”.

 

As técnicas usadas para esse tipo de impressão nasceram de estudos realizados na década de 1980 pelo pesquisador norte-americano Chuck Hull. Suas pesquisas impulsionaram a produção de pequenas peças plásticas, de modo mais rápido e eficiente. O ambiente de desenvolvimento controlado e em menor escala melhorou as condições de pesquisa e testes de projetos e produtos.

 

Inserida no âmbito acadêmico por volta de 2004, quando as patentes de produção de máquinas de manufatura aditiva tornaram-se de domínio público, as impressoras são aliadas em estudos de diferentes áreas do conhecimento. O principal atrativo é a possibilidade de realizar testes em protótipos antes da produção em larga escala.