A ÚLTIMA FLOR

 

Texto Vanessa Tavares

Colaboração Mhárbila Naomi

 

– Mana cê vai colar no rolê hj??

– Se pá sim mas bto fé vou ter um date com o boy antes

– ARRASOU miga me conta os babados depois!!

– Vey, tava pensando em postar um TBT no insta,
q cê acha?

– Deixa de ser biscoiteira poh kkkkk

 

Entendeu alguma coisa? Em caso positivo, você pode ser fluente em internetês, a linguagem utilizada no meio virtual. Nascida em blogues e salas de bate-papo, hoje ela é popular em mídias sociais e aplicativos de comunicação instantânea. Apesar de se manifestar em textos escritos, possui muitos traços da oralidade.

 

Às vezes, o objetivo é dar mais velocidade à comunicação. De outras, tornar o texto mais próximo do que é dito. Em outros casos, rebelar-se contra os padrões de escrita mesmo.

 

O internetês nada mais é do que a boa e velha língua portuguesa em mais uma de suas facetas. Toda língua possui variantes de si mesma, como a norma padrão, a norma culta, a regional, a coloquial entre outras. As principais características da variedade criada na internet são:

  • abreviações: tb (também), pq (porque), vc (você), kd (cadê), bto (boto), hj (hoje).
  • alteração de grafia: troca de dígrafos por consoantes de som semelhante: qu por k – kero (quero), aki (aqui), ou ch por x – axo (acho), xato (chato).
  • ausência de sinais gráficos, como acento, til e cedilha: amanha (amanhã), ja (já), naum (não), faco (faço).
  • supressão de consoantes: vou fala (falar), pra faze (fazer). E de sílabas: tá (está), cê (você).
  • onomatopeias: hahaha, aham, kkk, aiiinn, tsc tsc.
  • repetição de letras e de pontuação: creeedo, hein???
  • recursos gráficos: letras maiúsculas (para indicar tom de voz elevado), emojis (figurinhas), gifs (imagens animadas) e memes (humorísticos).
  • gírias: criadas e utilizadas nas redes sociais.

 

Muitos desses recursos linguísticos já são velhos conhecidos: abreviações constam há muito tempo do vocabulário comum; onomatopeias e pontuação repetida são utilizadas nas histórias em quadrinhos; supressões são típicas da língua oral, e até mesmo o uso do m/n no lugar do til é um retorno às origens deste sinal.

 

As variantes linguísticas são todas legítimas. No entanto, o uso de cada uma deve ser feito de acordo com o contexto: situação social, local, interlocutor, objetivo, gênero textual, suporte, entre outros aspectos a serem observados pelo usuário.

 

Para não cometer inadequações no uso dessas variedades, que podem gerar desde uma pequena gafe até a reprovação numa entrevista de emprego, é necessário ficar atento, principalmente, ao grau de formalidade da situação.

 

Segundo os teóricos, a questão está diretamente relacionada à escrita e à oralidade, sendo esta mais informal e aquela mais formal. Marcuschi1, linguista referência no estudo de gêneros textuais, observa que: “diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual”. Portanto, ao produzir um texto é necessário localizá-lo nesse continuum.

 

Alguns usuários do internetês, na maioria jovens que passam significativa parte do tempo fazendo uso da linguagem on-line, acabam por transferi-la para o mundo real. Sem problemas, se isso for em contexto informal, com família e amigos. O drama é quando a empregam em contextos e textos formais, como provas e trabalhos de escola e faculdade, concurso, seleção de emprego, vestibular. Aí, a única variedade aceita é a norma padrão – aquela do livro de gramática.

 

Para o gramático e filólogo Evanildo Bechara2, cabe à escola como um todo transformar o aluno num poliglota dentro da sua própria língua. Contudo, também é papel e responsabilidade do aluno desenvolver e aperfeiçoar suas competências linguísticas, com a ajuda dos professores e de muita leitura. Ninguém escreve bem, nem mesmo o internetês, sem estudar.

 

1  MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2010. (p.37)

2  BECHARA, Evanildo. Ensino da Gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 2006. (p. 40)