A última Flor
Quem mora na capital federal está acostumado a palavras típicas utilizadas somente por aqui. Confira a origem das expressões mais famosas

 Arte: Camila Gentil / Secom UnB
 
O novo projeto totalmente on-line da revista Darcy traz, a cada semana, matérias inéditas como parte das comemorações do aniversário da UnB e de Brasília, além de série sobre o projeto de extensão Vivência Amazônica. Brasília em palavras é o terceiro texto do novo projeto.

 

Texto Vanessa Tavares  

O poeta Nicolas Behr nos lembra nestes versos de seu livro Poesília: poesia pau brasília (2002) que Brasília tem um vocabulário próprio. Eixão, Eixinho, W3, L2, tesourinha, superquadra, bloco, pilotis, cobogós, candango. Quem mora na capital federal os conhece bem. 
 
A começar pelo nome da Região Administrativa I do Distrito Federal, Plano Piloto, que de substantivo comum tornou-se substantivo próprio. O concurso vencido por Lucio Costa visava escolher um plano urbanístico numa versão inicial esboçada, ou seja, um plano-piloto para a nova capital do país.
 
Plano este que “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto (...)”1. Diferentemente das outras cidades em que as principais vias se denominam rua, avenida, alameda, as de Brasília são chamadas de eixo: o Monumental e o Rodoviário-Residencial. Este último é conhecido como Eixão e, em referência a ele, as pistas menores que o acompanham em paralelo, oficialmente L1 e W1, são chamadas de Eixinhos. Elas compõem o eixo L, vias a leste do Eixão (L2, L3 e L4), e o eixo W, vias à oeste (West) do Eixão (W2, W3, W4 e W5).
 
Há também palavras que saíram do vocabulário técnico e tornaram-se comuns no linguajar dos moradores da cidade. Uma delas é o termo piloti, aqui mais conhecido em sua forma plural, pilotis. Piloti, segundo o Dicionário Houaiss, é um termo de origem francesa – pilot, cuja tradução em português seria ‘estaca’. Na arquitetura do século XX, refere-se “a cada uma das colunas estruturais formadas de um conjunto que sustenta uma construção, deixando livre, ou quase livre, o pavimento térreo”. Os pilotis viraram sinônimo da parte térrea dos edifícios, entre as estacas/colunas, espaço idealizado para as crianças brincarem.
 
Termos comuns na indicação de endereços, quadra e bloco ganharam em Brasília um sentido mais especial: uma tornou-se super e o outro virou sinônimo de prédio. Os habitantes daqui se referem a suas moradias verticais como blocos, os quais não se situam em ruas, mas em superquadras, conhecidas por siglas, como SQN (Superquadra Norte) e SQS (Superquadra Sul).
De origem brasileira, mais especificamente pernambucana, nascida da junção das iniciais dos sobrenomes dos engenheiros Coimbra, Boeckmann e Góis, a palavra cobogó também é velha conhecida em Brasília. Assim como os pilotis, os cobogós estão espalhados pelos prédios da cidade. Este termo, também da área da arquitetura, o Houaiss define como: “tijolo perfurado ou elemento vazado, feito de cimento utilizado na construção de paredes ou fachadas perfuradas, com a função de quebra-sol ou para separar o interior do exterior, sem prejuízo da luz natural ou ventilação”. Ainda de acordo com o dicionário, pode ser chamado também combogó.
 
Em alguns casos, no entanto, os termos técnicos foram substituídos por palavras mais amigáveis ou simpáticas. Quem circula de automóvel por aqui, em algum momento, irá se deparar com uma tesourinha. A interconexão dos eixinhos, com forma de tesoura, teve, entre outros propósitos, a eliminação dos cruzamentos. Com a duplicação dos eixinhos, as tesourinhas passaram a assemelhar-se a trevos, mas continuam a ser tratadas por tesourinhas. Inclusive juntaram-se a elas as agulhinhas, pistas que permitem aos motoristas acesso direto do Eixão aos Eixinhos e vice-versa.
 
Por fim, nem só de traços foi feita a capital, foram necessários muitos braços para erguer esta cidade. Apesar de não ser um termo técnico, candango é uma palavra que está profundamente atrelada à construção de Brasília por nomear os trabalhadores sem os quais a capital não teria saído do papel.
 
1- COSTA, Lucio. Plano Urbanístico de Brasília. CARTA’: falas, reflexões, memórias. Brasília, Senado Federal, Gabinete do Senador Darcy Ribeiro, 1991-1996. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/brasilia/revistas/A_carta_1.pdf. Acesso em: fev/2020.